Título: Nestlé promete ir à luta para manter a marca Garoto
Autor: Assis Moreira e Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2004, Empresas & Tecnologia, p. B-1

A direção mundial de Nestlé anunciou ontem que não aceita a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de vender a Garoto, e que vai "utilizar todos os meios a disposição para salvaguardar nossos interesses nesse caso". A multinacional deixou claro que vai continuar a lutar para manter o controle da empresa brasileira. A avaliação do grupo, segundo o porta-voz François-Xavier Perroud, é que a decisão por três votos a dois mostra que ''as condições nas quais ela foi tomada não estão claras''. Nestlé se diz ''convencida'' de que a aquisição de Garoto, com o desinvestimento proposto, pode ampliar a escolha do consumidor no Brasil. No entanto, a empresa deve enfrentar sérias dificuldades para impor sua tese. O Ministério da Justiça descartou ontem a possibilidade de aceitar um recurso contra a decisão Cade. A assessoria do Ministério informou ao Valor que prevalece o entendimento de que o Cade tem autonomia que deve ser respeitada. Com essa negativa do Ministério da Justiça, a Nestlé perde uma de suas possibilidades de recurso. Resta ir ao Judiciário ou fazer uma nova tentativa junto ao Cade. O órgão antitruste vetou a compra da Garoto duas vezes neste ano. Em 4 de fevereiro, foi decidido por cinco votos a um que o negócio prejudicou a concorrência ao conferir 58% do mercado de chocolates à Nestlé. A empresa recorreu oferecendo a possibilidade de vender um pacote de marcas de chocolates equivalente a 10% do mercado para concorrentes em troca da aprovação da compra da Garoto. Em 5 de outubro, o Cade negou o recurso da empresa por três votos a dois e ordenou a venda da Garoto. A multinacional suíça poderá tentar um último recurso junto ao órgão antitruste chamado "embargos de declaração". Esse recurso é utilizado quando há "omissão, contradição ou obscuridade" na decisão. Mas, dificilmente o Cade aceitará os eventuais embargos da Nestlé. Após o primeiro veto à compra da Garoto, o órgão negou um recurso do Ministério Público alegando justamente que não houve omissão, contradição ou obscuridade. Pelo contrário, o Cade informou que fez uma análise pormenorizada sobre o mercado de chocolates antes de decidir. O recurso ao Ministério da Justiça é um expediente polêmico na história do Cade. Em novembro de 1995, o grupo Gerdau pediu ao então ministro Nelson Jobim (hoje, presidente do Supremo Tribunal Federal) que modificasse a decisão do órgão antitruste que vetou a compra da siderúrgica Pains. O recurso foi interposto após duas negativas do Cade ao grupo Gerdau. O órgão antitruste concluiu que a compra da Pains aumentou a participação da Gerdau, de 48% para 53% no mercado de vergalhões de aço e prejudicou a concorrência. Jobim interferiu no processo e pediu uma nova apreciação ao órgão antitruste. Os conselheiros que votaram contra a Gerdau não foram reconduzidos para os seus mandatos. Sob nova presidência, do economista Gesner Oliveira, o Cade impôs condições para que a Gerdau pudesse ficar com a Pains. A principal previa que a Gerdau retomasse o funcionamento da fábrica da siderúrgica em Contagem, Minas Gerais, que havia sido desativada, para vendê-la a concorrentes. O Cade também ordenou que a Gerdau disponibilizasse para concorrentes a tecnologia obtida da empresa alemã Korf, de quem adquiriu a Pains. A Gerdau comprou a Pains no início de 1994 e só obteve a aprovação final do Cade em janeiro de 1998, quando a Gerdau vendeu parte da Pains para a Metalúrgica Cabomat por R$ 7,2 milhões (valores da época). A Nestlé adquiriu a Garoto em fevereiro de 2002 por R$ 565,8 milhões. O recurso ao ministro da Justiça não está previsto em lei. No Judiciário, não há prazo para a conclusão de julgamentos contra decisões do Cade. O órgão antitruste deverá publicar a decisão em que vetou a compra da Garoto dentro de duas ou três semanas. A partir dessa data, a multinacional suíça terá 15 dias para vender a Garoto. Em Zurique, principal centro financeiro suíço, a opinião de analistas é de que Nestlé vai submeter uma nova alternativa para reduzir sua parte em segmentos chaves do mercado de chocolate em troca da permissão para manter a Garoto. "Certamente não é o último episódio dessa história bizarra", diz James Amoroso, do banco Pictet. O analista criticou a demora do Cade (dois anos) para decidir-se sobre a operação