Título: Grupos guardam os mistérios da longevidade
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2005, Empresas &, p. B4

Segundo o livro do Gênesis, Enoque, filho de Caim e pai de Matusalém, viveu na Terra durante 365 anos e depois ascendeu ao firmamento sem morrer. Inspirado nessa proeza, formou-se na França um clube em 1981 em sua homenagem. "Les Henokiens" é uma fraternidade da qual participam companhias com pelo menos 200 anos de idade, que permaneceram durante todo o tempo sob controle de uma só família, são financeiramente saudáveis, "modernas" e ainda hoje continuam sendo comandadas por um membro da mesma família. Todos os anos, os participantes - representando 33 companhias de sete países - reúnem-se para curtir três dias de animada comemorações e discussões. A anfitriã deste ano foi Ditta Bortolo Nardini, uma destilaria de grapa italiana fundada em 1779. Os nove membros do Tercentenarians Club britânico, fundado em 1970, e limitado a empresas com pelo menos 300 anos de existência que ainda mantém uma ligação com a família fundadora, comemoram mais despojadamente com um simples almoço anual. O mais velho membro da Les Henokiens é a Hoshi, uma hospedaria japonesa fundada em Komatsu, em 718. Dirigida por Zengoro Hoshi, pertencente à 46ª geração da família à frente do negócio, o lema da firma é incomumente prático: "Cuide do fogo, aprenda com a água, coopere com a natureza". No entanto, segundo "Séculos de Sucesso", publicado no ano passado por William O´Hara, existe uma companhia ainda mais antiga, também japonesa. A Kongo Gumi, fundada por coreanos em Osaka em 578, é uma construtora de templos budistas, santuários shintoistas e castelos - e agora também escritórios, edifícios de apartamentos e residências particulares. Ambas são familiares. A mais antiga empresa familiar européia, segundo O´Hara e Peter Mandel, na revista "Family Business, é a Chateau de Goulaine, uma vinícola no vale do Loire, na França, que data do ano 1000. Ela orgulha-se de compreender um museu e um borboletário. A firma familiar mais antiga no Reino Unido, fundada em Huddersfield, em 1541, é John Brooke & Sons, fabricante têxtil que ajudou a vestir os britânicos mais destemidos durante a Batalha de Trafalgar e na Segunda Guerra Mundial, mas que hoje abandonou a manufatura e converteu suas oficinas num parque temático empresarial.

Não é de surpreender que as mais antigas empresas familiares dos EUA sejam um pouco mais jovens. A Zildjian Cymbal, de Norwell, Massachusetts, fornecedora de pratos e baquetas para muitos dos maiores percussionistas do mundo, foi fundada em 1623. Mas isso foi em Constantinopla; a família somente emigrou para os EUA em 1909. Um exemplo mais autêntico é a Tuttle Farm, que cultiva morangos e vegetais em New Hampshire, e opera uma pequena loja. A firma é atualmente dirigida pela 11ª geração da família. Entretanto, não é fácil dizer com certeza se tais exemplos são realmente de empresas antigas que tiveram uma vida ininterrupta, e não firmas mais recentes que no passado foram associações comerciais, organizações estatais ou, por exemplo, comunidades religiosas que transformaram-se em empreendimentos comerciais em determinado estágio de suas vidas. Chateau de Goulaine, por exemplo, é realmente uma empresa de mil anos de idade ou um belo e antigo castelo que apenas em fase relativamente recente passou a vender vinho e exibir borboletas? A Shore Porters´ Society, hoje uma empresa de transportes cujos caminhões podem ser vistos por toda a Europa, foi fundada em 1498 mas, durante a maior parte de sua história, constituiu um organização semi-estatal controlada pela cidade de Aberdeen, apenas assumindo sua plena independência em 1850. Então, afinal, durante quanto tempo foi a Society uma genuína empresa? O cálculo da idade de companhias grandes e complexas - muitas das quais de capital aberto, e não de propriedade familiar - é, possivelmente, igualmente difícil de precisar, pois muitas dessas empresas cresceram em conseqüência de diversas aquisições. Isso torna difícil saber em que medida elas são efetivamente descendentes de seus pedaços mais antigos. A Harsco, por exemplo, uma grande companhia americana fabricante de maquinário pesado e prestadora de serviços industriais, é capaz de rastrear orgulhosamente partes de suas operações até 1742, quando uma firma denominada Taylor-Wharton iniciou sua vida como uma forjaria colonial. Mas a Taylor-Wharton, cujos primeiros produtos compreendiam balas de canhão para o exército de George Washington, não foi absorvida pela atualmente denominada Harsco até 1953. As atuais maiores e mais famosas companhias são em sua maioria jovenzinhas sardentas, em comparação com as empresas antigas citadas acima - e em não pouca medida devido ao fato de suas principais atividades terem se tornado possíveis somente a partir da Revolução Industrial. A Microsoft só nasceu em 1975; e até mesmo a General Electric só consegue identificar suas raízes até 1876. A maioria das empresas idosas em todo o mundo opera em setores de atividade da velha economia, como agricultura, hotelaria e viagens, e construção civil. Dessas, possivelmente apenas atividades bancárias permaneceram na linha de frente da elite empresarial mundial - e um punhado dos maiores bancos do mundo pode razoavelmente alegar ter chegado à idade madura. O Lloyds TSB, do Reino Unido, por exemplo, é capaz de traçar suas origens até um banco fundado em Birmingham, em 1765, por um John Taylor e um Sampson Lloyd. A árvore genealógica da família Citigroup remonta ao City Bank of New York, fundado em 1812. Em "The Living Company", Arie de Geus cita a Stora como sendo a companhia que, provavelmente por mais tempo do que qualquer outra, "assumiu a personalidade de uma companhia na bolsa de valores desde seu primeiro momento". A Stora iniciou sua vida como operadora de uma mina de cobre na Suécia em 1288, e 710 anos mais tarde, por meio de uma fusão, converteu-se na Stora Enso, uma empresa nos setores de papel, embalagens e madeira. O debate sobre qual é a companhia mais antiga provavelmente persistirá por mais tempo do que as próprias empresas. É evidente que a longevidade empresarial é algo extremamente atípico. Um terço das companhias listadas na "Fortune 500" em 1970 já não existiam em 1983, fulminadas por fusões, aquisições, falências ou desmembramentos. De acordo com Leslie Hannah, uma historiadora da Universidade de Tóquio dedicada ao registro da atividade empresarial, a "meia-vida" média de grandes empresas - ou seja, o tempo necessário para a morte de metade das cem maiores empresas do mundo por capitalização de mercado num ano qualquer - foi de 75 anos, durante o Século 20. Para pequenas empresas, a maioria dos estudos sugere uma meia-vida na faixa de um dígito. A mortalidade empresarial infantil é particularmente elevada; o primeiro ano é o mais difícil. Como é, então, que umas poucas empresas anciãs conseguiram desafiar com sucesso o ciclo de vida empresarial? Para a maioria delas, a sorte ajudou, diz O´Hara. Mas ele também identifica diversos outros fatores que ajudaram especialmente as firmas familiares. Primogenitura freqüentemente garantiu que empresas não se esfacelassem por brigas entre herdeiros durante a sucessão de gerações - um problema comum, agora que, na maioria dos países, o filho mais velho não fica, automaticamente, com tudo. Em geral, unidade e confiança na família têm sido vital. Empresas de longa vida também têm, progressivamente, considerado admitir mulheres à sua gerência - embora geralmente por necessidade. E têm freqüentemente se disposto a admitir novos gerentes mediante adoção legal, quando as sementes da geração mais velha não frutificaram continuidade. John Davis, da Harvard Business School, está escrevendo um livro sobre poucas empresas familiares que não sucumbiram à velha regra do "pai rico, filho nobre, neto pobre". Ele diz que três fatores favorecem a longevidade: "Ao final de cada geração, as empresas familiares precisam ter acumulado um reservatório de confiança, orgulho e dinheiro, para que a geração seguinte disponha do suficiente desses ingredientes para manter o ímpeto do negócio e o espírito da família". Sobrevivência pós-sucessão é com freqüência uma prova formidável. Mas a maioria das empresas mais antigas também teve de evoluir para acompanhar o ritmo dos tempos. A Kikkoman, por exemplo, fundada em 1630 e hoje o mais importante fabricante mundial de molho de soja, expandiu nos setores de temperos alimentícios e, mais recentemente, em biotecnologia. Isso, diz Davis, exige uma ousadia que pode ser possível somente com bastante confiança, orgulho e dinheiro. Também requer uma boa apreensão da competência fundamental do negócio: nesse caso, muito conhecimento sobre fermento, fator comum em todo o crescimento da Kikkoman. Esse aspecto é compartilhado por Jim Collins, co-autor do duradouro "Built to Last - Successful Habits of Visionary Companies" (Construída para Durar - Hábitos Bem-sucedidos de Companhias Visionárias). As sobreviventes, diz ele, são muito boas em, por um lado, obedecer um conjunto de princípios inalterados e, por outro lado, em separar o que fazem, e como fazem, de "quem são". No decorrer de centenas de anos, as empresas precisam apegar-se aos seus fundamentos, e ao mesmo tempo mudar constantemente, diz ele. Collins é freqüentemente criticado for enxergar excessiva virtude em sobrevivência. Afinal de contas, muitas companhias cujos produtos tornarem-se obsoletos torraram fortunas tentando encontrar maneiras de sobreviver - o equivalente empresarial de um velho amalucado dissipando a herança dos filhos em remédios não testados, quando o exigido seria, na realidade, uma saída elegante de cena. Sem dúvida, a lista de O´Hara relacionando as mais velhas empresas do mundo contém algumas gemas - Kikkoman, Sumitomo (comércio em geral), Berry Brothers & Rudd (negociantes de vinhos), Taittinger (champanhe), Beretta (fabricante de armas de fogo) - mas também muitas que nada têm de notável, exceto sua idade. Afinal, então, será a longevidade algo realmente para ser celebrado? Não, segundo Collins: com certeza, o sentido de tocar uma empresa está em fazer algo excepcional, e não apenas sobreviver? Muitas companhias medíocres perduram por muitas décadas, diz ele, mas "é como correr uma maratona de dez horas. Qual é o sentido disso?" É um tema para os Tercentenarians digerirem durante seu próximo almoço anual. (Tradução de Sergio Blum)