Título: Acirra-se a disputa entre pecuaristas e frigoríficos
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Agronegócios, p. B14

Frigoríficos e pecuaristas iniciam na próxima semana um longo embate nos bastidores do governo. Auxiliada pela Comissão de Agricultura da Câmara, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pedirá à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça a abertura de um processo para contestar a suposta formação de cartel na compra de gado por um grupo de frigoríficos. A disputa começará com status de um projeto de indicação da Câmara, que orienta o Executivo a tomar determinada medida. O processo, que deve durar meses, tentará mostrar que há uma estratégia comum desse grupo de indústrias nos preços, o que prejudicaria a concorrência no setor. Os pecuaristas acreditam que a investigação deve revelar que a concorrência é "imperfeita" e exige "ajustes fortes" do governo. De posse de cartas e circulares enviadas por dez indústrias, o presidente do Fórum Permanente de Pecuária de Corte da CNA, Antenor Nogueira, e o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO) terão uma audiência com secretário Daniel Goldberg para iniciar o processo. A diretoria da CNA autorizou, na quinta-feira, a contratação do consultor Ruy Coutinho, ex-titular da SDE e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). "Será uma ação oficial da comissão", avisa Caiado. Nogueira afirma que as indústrias adotam "tabela-padrão" com critérios e deságios idênticos para todas as regiões e mercados, sem distinção. "É um cartel mesmo", diz. As cartas, às quais o Valor teve acesso, fixam deságios iguais de 3% para animais entre 15 e 16 arrobas e de R$ 3 por arroba para animais não-rastreados, além de preços entre 5% e 10% menores para vacas e novilhas. "Na soma, perdemos 15% de renda. Em dois anos, o preço do boi subiu 4% e da exportação, 8,4%". Ao mesmo tempo, segue a estratégia de reduzir a oferta de gado. Nesta sexta-feira, uma reunião em Campo Grande (MS) ajudará a divulgar a ação e mobilizar produtores. Cuiabá (MT) e Ji-Paraná (RO) terão reuniões nos dias 18 e 19. A queixa dos pecuaristas tem apoio de um grupo de 158 frigoríficos com foco no mercado nacional. "Não concordamos com essa tabela porque não é boa para o setor", diz José João Stival, presidente da Abrafrigo, que responde por 10% das exportações do país. "Há uma concentração enorme na exportação, que cresce a cada ano. Nós estamos fora". De outro lado, Edivar Queiroz, presidente do Sindicato da Indústria do Frio (Sindfrio), que agrega 38 frigoríficos, reprova a ação dos criadores. "Isso é um tiro no pé, porque prejudica a cadeia toda. É uma pena", afirma o também conselheiro da Abiec (reúne exportadores). "Quem manda é o mercado e as indústrias não ganham dinheiro assim", afirma Queiroz. A CNA divulgou, na quinta-feira, indicadores que mostram uma queda de 3,2% nos preços recebidos pelos pecuaristas em janeiro. Os custos de produção subiram 0,22%, segundo estudo do CNA-Cepea/USP. Com renda menor, o produtor tem abatido mais matrizes este ano. Para reverter a tendência, Nogueira pediu ao ministro Roberto Rodrigues uma linha para financiar a retenção de matrizes com até R$ 100 mil por criador.