Título: Israel quer livre comércio com Mercosul
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2005, Especial, p. A12

Ehud Olmert, vice-primeiro-ministro de Israel, chega hoje ao Brasil com o objetivo de despertar uma proposta de acordo de livre comércio que dorme há mais de sete anos nas gavetas do governo brasileiro. Em entrevista ao Valor, Olmert admitiu que o conflito no Oriente Médio tenha dificultado a negociação no passado, mas disse que a situação política agora é outra. Desta vez, ele espera que saia a decisão de iniciar negociações. Israel propôs um acordo de livre comércio com o Mercosul pela primeira vez em 1997. O país tem uma das economias mais abertas do mundo. Seu comércio exterior equivale a 64,5% do PIB (quase o dobro do percentual brasileiro). A proposta não avançou. Oficialmente, o governo brasileiro alegou estar engajado em outras negociações, prioritárias. Mas o receio de irritar importantes parceiros comerciais árabes também pesou. Olmert, que também é ministro da Indústria, Comércio e Trabalho, diz que a situação no Oriente Médio mudou e que até Israel tem acordos comerciais com dois países árabes, Egito e Jordânia. O principal argumento israelense é que há grande potencial de comércio. Devido a acordos de preferência tarifárias, Israel compra de outros países uma série de produtos que se destacam na pauta de exportações brasileiras. O país importou em 2004 quase US$ 700 milhões em papel, celulose e madeira, mas só US$ 1,35 milhão do Brasil; comprou US$ 2,2 bilhões em metais, mas só US$ 23 milhões do Brasil (veja quadro abaixo). Olmert estará em Brasília hoje, onde se reúne com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com os ministros Furlan, Dilma Rousseff (Minas e Energia) e Roberto Rodrigues (Agricultura). Amanhã ele vai à Argentina. Na quinta, visita São Paulo; na sexta, o Rio. Telecomunicações, tecnologia de informação e agrotecnologia são as áreas em que Olmert vê mais possibilidade de cooperação e ampliação dos negócios entre os países. Leia abaixo a entrevista concedida por telefone ao Valor. Valor: Qual é o objetivo de sua visita ao Brasil? Ehud Olmert : Fui convidado pelo seu ministro do Comércio, o ministro Furlan. Acho que é uma boa oportunidade para Israel, junto com o governo brasileiro, com ministros brasileiros, estabelecer uma base de cooperação econômica muito mais ampla. Há grande potencial para uma enorme cooperação entre Israel e Brasil, que não está sendo aproveitado. Gostaria muito de rever a possibilidade de negociar um acordo de livre comércio com o Mercosul. Espero ainda mostrar oportunidades para empresas brasileiras investirem em Israel e para empresas israelenses investirem no Brasil. Valor: Em quais setores o sr. vê potencial para negócios? Olmert : Em primeiro lugar, há uma grande oportunidade de cooperação em alta tecnologia, especificamente em telecomunicações, tecnologia de informação e tecnologia agrícola. Essas áreas devem ser o foco dos empresários israelenses. Vejo potencial ainda em tecnologia ambiental, equipamentos de segurança e equipamentos médicos. Valor: O sr. vem acompanhado de um grupo de empresários. Olmert : Sim, alguns dos empresários israelenses de maior sucesso vão comigo. Há já mais de 150 empresas israelenses que operam no Brasil, como Netafim, Gilat, Ituran, Mul-T-Lock, Straus Elite. Achamos que podemos expandir isso. Mas, ao mesmo tempo, achamos que podemos fazer propostas interessantes para empresas brasileiras. Valor: Que tipo de propostas? Olmert : Nas áreas de R&D [pesquisa e desenvolvimento de produtos] conjunto, de biotecnologia e nanotecnologia, de telecomunicações, de serviços e equipamentos médicos, de equipamentos de segurança e agrotecnologia. Como eu disse, essas são as áreas de maior interesse, áreas relevantes para a economia do Brasil. Acreditamos que podemos juntar o nosso conhecimento com o potencial de vocês. Valor: A proposta de acordo de livre comércio foi feita por Israel há um bom tempo e vem sendo postergada pelo Brasil. Por quê? Olmert : Não sei, certamente não é culpa nossa. Posso dizer que fizemos algumas propostas no passado. As últimas foram em dezembro de 2004, em Belo Horizonte, e em janeiro deste ano, na reunião do Mercosul no Paraguai. Em todos as vezes [que propostas foram apresentadas], a reação foi positiva, mas nada foi feito no nível operacional. O que eu vou tentar fazer agora é convencer os brasileiros e os argentinos de que é hora de iniciar um movimento positivo e operacional. Valor: O sr. vê algum ponto que possa dificultar as negociações de um acordo de livre comércio? Olmert : Não vejo nenhuma grande dificuldade econômica ou de negócios. Houve no passado alguns constrangimentos políticos por parte de alguns governos latino-americanos, mas acho que isso agora está mudando. Há agora uma nova situação política no Oriente Médio, e acho que o governo brasileiro está a par disso. Valor: O Brasil tem conduzido uma política de promoção comercial ativa em países árabes. O sr. acha que o atraso nas negociações com Israel se deve ao receio do governo brasileiro de prejudicar a relação com os países árabes? Olmert : Não sei, pode ter acontecido no passado. Mas veja, eu assinei há um mês um acordo de cooperação econômica com o Egito. Temos ainda um acordo amplo com a Jordânia. Se esses países podem assinar acordos conosco, por que isso seria um impedimento para o Brasil e o Mercosul? Valor: Autoridades brasileiras têm visitado países árabes, mas há muito tempo não há uma visita de alto nível a Israel. Houve até um debate no Brasil sobre isso... Olmert : Vou convidá-las a visitar Israel e garanto que elas não vão se arrepender. Valor: Ainda assim, o sr. acha que o governo brasileiro está deixando de dar atenção a Israel? Olmert : Eu normalmente prefiro olhar para o lado positivo. Ao invés de criticar o que deixou de ser feito no passado, prefiro tentar criar as circunstâncias que permitem que as coisas aconteçam no futuro. E espero conseguir convencer o presidente Lula, com quem vou me encontrar. Valor: O que o sr. diria a empresários brasileiros sobre o clima para negócios em Israel atualmente? Olmert : A economia de Israel é competitiva, aberta, pelo livre mercado. É uma economia de alto nível. IBM, Microsoft, Intel, Motorola, Siemens, Lucent, Cisco, todas grandes companhias mundiais, têm não só investimentos em Israel, mas centros de pesquisa e desenvolvimentos, alguns deles os maiores do mundo dessas empresas. Se é bom para elas, pode ser bom para as empresas brasileiras. Valor: E quanto ao clima político? Por muito tempo a tensão política não ajudou os investimentos. Olmert : Isso é passado. Recentemente recebi em meu escritório o presidente da Intel. Eles estão investindo em Israel há 30 anos. Eles exportam quase US$ 2 bilhões anuais a partir de Israel. Eu perguntei a ele: "diga-me, houve alguma vez, em toda a relação de vocês com Israel, que vocês tiveram de adiar um único embarque de Israel por motivo de segurança?" Ele me disse não. Acho que há muito mito sobre isso. A situação está definitivamente muito mais tranqüila. Agora temos uma janela de oportunidade para movimentações políticas. Espero que as empresas brasileiras ao menos venham a Israel e tenham uma chance de ver isso. Valor: O foco principal de vocês está em empresas ligadas à comunidade judaica no Brasil? Olmert : Olhamos o Brasil como o Brasil. Não fazemos distinção em empresas judaicas e não judaicas. Olhamos para todas. E prometo a você que elas ganharão muito dinheiro em Israel. Valor: Haverá alguma formalização em relação a um acordo comercial durante a sua visita? Olmert : Não, acho que não, mas espero que pelo menos tomemos a decisão formal de iniciar as negociações. Valor: O sr. tem em mente algum cronograma para a negociação? Olmert : Não. Antes precisamos decidir iniciá-la.