Título: Álcool perde espaço com baixa do petróleo
Autor: Scaramuzzo , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2008, Agronegócios, p. B11

A queda acentuada dos preços do petróleo no mercado internacional acende uma luz amarela para a competitividade do álcool combustível em relação à gasolina. Os vários projetos de novas usinas no Brasil, a grande maioria deles sustentados pela crescente demanda global por álcool, poderão ser colocados em xeque, caso as cotações do petróleo recuem ainda mais ou persistam nesses atuais patamares. Nos últimos sete dias, o barril do petróleo caiu abaixo de US$ 50 duas vezes. O consenso no mercado é de que os projetos de álcool no país são viáveis economicamente com o barril até US$ 40.

O forte movimento de alta do petróleo nos últimos anos deu respaldo aos pesados investimentos em destilarias nos EUA e Brasil, os dois maiores produtores globais de etanol. Agora com a inversão dos preços da matéria-prima, que chegou a alcançar US$ 145 o barril julho, poderá deixar ainda mais delicada a situação financeira das usinas brasileiras, que enfrentam desde a safra passada, a 2007/08, baixos preços do açúcar e do álcool, também agravadas ela limitação de crédito do mercado, por conta da crise financeira global.

Nos Estados Unidos, o cenário para o álcool é igualmente negativo. Muitas destilarias nem saíram do papel e as que estão operando estão no vermelho. Lá, o álcool perdeu a competitividade há algum tempo em relação à gasolina. O galão da gasolina está cotado a US$ 1,10 e o do petróleo a US$ 1,19, enquanto do galão de álcool sai a US$ 1,70. Cada galão tem 3,7854 litros. "O preço da gasolina nos EUA está mais barato que o petróleo neste momento", afirma Tarcilo Rodrigues, diretor da trading Bioagência, que negocia a produção de álcool de 23 usinas do Brasil.

Aqui no país, abastecer com álcool deixará de ser vantagem em algumas semanas, se os preços do etanol continuarem em alta, como o verificado nas duas últimas semanas. Último levantamento feito pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), divulgado na segunda-feira, mostra que o álcool é mais competitivo que a gasolina. No entanto, a paridade entre os dois produtos está cada vez mais estreita.

Com a proximidade da entressafra da cana-de-açúcar no Centro-Sul do país - que vai de dezembro a março -, período de redução de oferta da matéria-prima, a relação de preços voltará a ser mais vantajosa para a gasolina. O abastecimento com álcool é atraente quando seus preços correspondem até 70% das cotações da gasolina.

De acordo com a ANP, o preço médio do litro do álcool combustível no país fechou em R$ 1,51 e o da gasolina em R$ 2,51, segundo pesquisa feita entre os dias 16 e 22 de novembro. Isso significa que os preços do álcool correspondem a 60% do preço da gasolina na média nacional.

Uma análise mais ampla mostra que o álcool ainda está em vantagem em 17 Estados do país, de acordo com a ANP. No entanto, em importantes praças essa paridade já está próxima do limite de 70%. O fim da colheita de cana no Centro-Sul deverá tirar ainda mais a competitividade do produto pelo menos até abril do próximo ano.

Em São Paulo, maior Estado produtor e consumidor do álcool combustível do país, é vantagem abastecer com etanol, uma vez que a relação de preços está em 55%. Contudo, em outras regiões produtoras importantes, como Alagoas e Pernambuco, que estão em plena colheita da cana, a paridade está em 65% e 63,5%, respectivamente. Em Minas Gerais, outro pólo produtor de cana, a relação do álcool e gasolina está em 67%.

No mercado externo, o álcool também poderá perder espaço. As exportações diretas para os Estados Unidos, os maiores importadores do combustível brasileiro, também não são mais vantajosas, afirmou Rodrigues. Pesa ainda sobre os embarques aos EUA a tarifa de importação americana de US$ 0,54 por galão. O Brasil deve exportar na safra 2008/09 cerca de 5 bilhões de litros de álcool, dos quais cerca de dois terços têm como destino o mercado americano. Em 2007/08, os embarques ficaram em 3,5 bilhões de litros.

Para especialistas do setor sucroalcooleiro, a queda dos preços do petróleo é circunstancial. As cotações deverão se recuperar no médio prazo. "Não acredito que o barril do petróleo fique abaixo de US$ 50", diz Júlio Maria Martins Borges, da Job Economia e Planejamento. "Desde 2004, o petróleo está em ritmo de alta. As cotações ficaram entre US$ 50 e US$ 60 o barril no início de 2007, mas logo apresentaram sinais de recuperação", observou. Analistas ouvidos pelo Valor acreditam que os preços do petróleo devem voltar aos patamares de US$ 80 o barril até meados de 2009.

Foi a partir de 2005 que os investimentos em novas usinas de açúcar e álcool começaram a crescer no país. Nesses últimos três anos, cerca de 200 projetos foram anunciados, mas metade deles nem saiu do papel, por conta dos baixos preços da commodity e também pela escassez de linhas de crédito às usinas. No Centro-Oeste, onde boa parte desses aportes foi anunciados, os projetos prevêem a construção de destilarias para exportação de álcool.

Em Goiás, cerca de 50 unidades deverão ser engavetados, segundo o Sindicato das Indústrias de Açúcar e Álcool de Goiás (Sifaeg). No mesmo Estado, o grupo Naoum entrou com pedido de recuperação judicial. Em São Paulo, a usina Albertina também entrou com o mesmo processo.

Alavancadas por conta dos projetos de expansão, cerca de 20% das usinas de açúcar e álcool do país estão com alto índice de endividamento, com boa parte delas com dívidas maior que seu passivo. A culpa, naturalmente, não é do petróleo. Mas se as cotações do óleo bruto se mantiverem em queda, muitos planos de expansão do setor serão barrados.