Título: O auge das multinacionais latinas
Autor: Santiso , Javier
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2008, Opinião, p. A15

O capitalismo internacional está experimentando uma mudança de grande alcance. No nível empresarial, estamos presenciando o auge de novos atores procedentes dos países emergentes. Exatamente como aconteceu com o quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos de Pequim, as empresas chinesas já estão arrebatando das mãos dos Estados Unidos as primeiras posições na hierarquia das maiores empresas do mundo por capitalização em bolsa. Principalmente, e além da China, estamos vivendo o auge de um novo mapa empresarial, no qual as empresas dos países da OCDE deixaram de ser os únicos investidores internacionais.

Há apenas trinta anos, 100% do investimento direto estrangeiro (IDE) procedia destes países: atualmente, é de menos de 80%. O surgimento, na última década, de novas multinacionais na Rússia, Brasil, Índia, China, África do Sul, Turquia, Coréia do Sul e México, vem transformando economias tradicionalmente receptoras de capital estrangeiro em importantes investidores no exterior. A América Latina também é parte desta tendência. A região continua sendo uma importante receptora de capital. De fato, em 2007, foi registrado o ingresso de mais de US$ 100 bilhões de IDE, a cifra mais alta da sua história. Ao mesmo tempo, países como Brasil e México viveram um auge nos seus próprios fluxos de investimento direto no exterior, que em alguns casos superaram as entradas de capital estrangeiro.

O aparecimento de multinacionais latinas, que agora concorrem com os maiores conglomerados do mundo desenvolvido quanto ao seu poderio industrial e financeiro, é de fato o tema central de um artigo - "A emergência das multilatinas" - que publicamos na revista da Cepal, em agosto de 2008.

Certamente, as multinacionais dos países emergentes ainda são relativamente pequenas na comparação com seus pares da OCDE, possuem um alcance geográfico mais limitado, mas já representam um quarto do total de multinacionais importantes do mundo. Embora os países emergentes da Ásia dominem este fenômeno de investimentos no exterior (em 2005, geravam mais de 60% do IDE das economias emergentes), a América Latina também se mostra dinâmica. Segundo as cifras da Cepal, em 2007 o investimento direto do Brasil no exterior atingiu perto de US$ 7 bilhões e o do México, quase US$ 5 bilhões. A estas se somaram outras empresas da região, particularmente as chilenas, também ativas fora do seu país de origem.

Esta emergência das multinacionais latinas não é nova. De certo modo, nos anos noventa as multinacionais espanholas foram as primeiras multinacionais latinas, já que a América Latina se converteu no principal mercado emergente para as grandes empresas da Espanha e, agora, este país é o maior investidor estrangeiro na região, à frente dos Estados Unidos. Sua expansão - primeiro na Europa e em seguida na América Latina - tomou impulso a partir de fatores como a integração européia e a privatização e desregulamentação do setor de serviços na América Latina. No entanto, as causas que hoje explicam a internacionalização das empresas latino-americanas e de suas congêneres asiáticas são a necessidade de superar os limites dos mercados internos e a dinâmica do mercado de recursos naturais para os exportadores.

As maiores multinacionais latinas emergentes são mexicanas e brasileiras: 85% das empresas de primeira linha da região e 35% das 50% mais lucrativas são originárias destes dois países. As forças por trás desta nova onda de internacionalização residem na maior pressão competitiva nos países internos e na atração para ampliar e diversificar as vendas; os mercados e as bases de produção e, acima de tudo, a dimensão financeira: todas estas empresas registraram aumentos na sua capitalização de mercado e na sua capacidade de acesso aos mercados de capital locais e internacionais a custos menores. Nos anos 2000, o fator decisivo para todas estas empresas, exatamente como argumentamos, tem sido a redução do custo do capital para todas elas.

Há também fatores estruturais que impulsionaram esta expansão, como o espetacular surgimento de tecnologias de telecomunicação baratas e a implantação de reformas macroeconômicas que melhoraram o perfil dos países emergentes. A isso se somou um ambiente financeiro internacional favorável. As empresas brasileiras, mexicanas, indianas e chinesas possuem elementos em comum que explicam o seu auge. Todas provêm de países grandes com crescimento veloz, capazes de dar suporte a grandes empresas nacionais. Todas dispõem de recursos de baixo custo, como mão-de-obra ou produtos básicos. E todas cresceram em ambientes difíceis e se sobrepuseram à falta de capacidade de gestão, a marcos jurídicos e financeiros muito instáveis e a sistemas logísticos e de infra-estrutura deficientes nos seus países de origem.

Além destes fatores, também podemos destacar outra tendência importante: a crescente conexão sul-sul. Os fluxos comerciais entre os países emergentes estão disparando: em 2007, pela primeira vez na história, o comércio entre as principais economias emergentes superou o comércio entre os países emergentes e os países da OCDE. As empresas chinesas estão investindo na Ásia e em todo o continente africano, assim como as da Índia ou do Brasil. A América Latina não só está na mira das empresas chinesas, como também interessa às empresas indianas, coreanas ou a investidores do Oriente Médio.

Em outras palavras, a conexão entre América Latina e Ásia poderia ser a tendência mais promissora deste século e poderia ilustrar uma das maiores mudanças registradas pela economia mundial: aquilo que chamávamos de Centro (os países da OCDE) é cada vez menos o centro do comércio e dos fluxos de capital mundiais, assim como a Periferia (os países emergentes) é cada vez menos a periferia.

Javier Santiso é diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE e presidente da Rede de Mercados Emergentes da OCDE.