Título: Gasto com pessoal limita política fiscal anticíclica
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Fonte: Valor Econômico, 17/11/2008, Opinião, p. A12

No momento em que a economia brasileira começa a dar sinais claros de desaceleração em meio à crise financeira internacional, reduz-se o espaço para o governo federal adotar medidas anticíclicas e, assim, compensar a perda de fôlego do setor privado. A razão principal: a escalada da despesa pública com o pagamento de salários e encargos sociais do funcionalismo.

Entre janeiro e setembro, segundo dados oficiais, o gasto do governo central com pessoal, incluindo os aposentados, chegou a R$ 92 bilhões, R$ 7,9 bilhões acima do valor registrado no mesmo período do ano passado. O crescimento, de 9,5% em termos nominais, é bem superior à inflação do período e ocorreu sobre uma base ampla - nos dez primeiros meses de 2007, o gasto com pessoal avançara 12,5% em relação a igual período de 2006.

Como números lidos isoladamente têm pouco significado, vale uma comparação com os desembolsos realizados pelo governo em outras rubricas. Tome-se o item investimento. O governo Lula vem realizando, desde o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em janeiro de 2007, um esforço louvável para aumentar os gastos destinados à melhoria da infra-estrutura do país. Ocorre que, quando se observam os números, o que se vê é um empenho maior para elevar os salários do funcionalismo.

De janeiro a setembro, o governo despendeu R$ 18,2 bilhões em investimentos dentro e fora do PAC. A cifra é R$ 5,7 bilhões superior ao valor efetivamente desembolsado no mesmo período de 2007, mas é inferior ao que se gastou com os reajustes salariais de um sem-número de carreiras do funcionalismo neste ano. O governo, claramente, lançou mão de uma folga fiscal existente no orçamento - as receitas cresceram, até setembro, impressionantes 18,4% nominais - para, de forma preponderante, corrigir vencimentos dos servidores.

A conta vai engordar ainda mais porque o governo enviou ao Congresso mais duas propostas de aumento - que, pelas estimativas oficiais, custarão ao bolso do contribuinte, até 2012, R$ 32 bilhões. Não seria mais apropriado elevar os gastos com investimento, que beneficiariam a economia como um todo e não apenas um segmento da sociedade?

A política salarial expansionista provocou, nos últimos meses, uma verdadeira corrida ao Tesouro. De uma só penada, por exemplo, o Conselho de Justiça Federal decidiu que os juízes têm direito a receber auxílio-moradia, como já acontece com parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O Conselho ordenou também que o "direito" seja pago de forma retroativa, inclusive, aos aposentados. Custo: R$ 2 bilhões.

Em outra frente, tramita no STF ação que obriga a União a pagar, também em caráter retroativo, quintos e décimos a servidores que tenham ocupado cargos de confiança entre 1998 e 2001. A incorporação desses benefícios aos salários foi extinta em 1995, mas, graças ao lobby do funcionalismo, foi recriada no Congresso nos anos seguintes. Conta: algo entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões.

Há, no entanto, tentativas ainda mais bizarras de quebrar o Estado. Por iniciativa do senador petista Paulo Paim (RS) - amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, pretende-se estender a todos os aposentados a regra de correção do salário mínimo, atualizar os atuais benefícios pelo número de salários mínimos no momento de concessão da aposentadoria e acabar com o fator previdenciário. Combinadas, essas propostas, já aprovadas no Senado, elevariam a despesa da previdência de 7% para 26% do PIB em 2050. Uma tragédia.

A leniência do governo Lula na política de pessoal cria limites reais para o enfrentamento da crise econômica. Como os gastos com pessoal são rígidos, ou seja, a lei não permite a redução de salário nem muito menos a demissão de funcionários, e as receitas certamente cairão nos próximos meses por causa da desaceleração do PIB, o governo terá pouca margem de manobra para aumentar, em 2009, os investimentos em infra-estrutura. Isto significa que a economia não poderá contar com toda a ajuda do setor público para atenuar os efeitos da mais grave crise global desde 1929. É hora de apertar as despesas correntes para liberar recursos preciosos para investir, fazer um esforço para limitar a expansão futura dos salários pagos pelo Estado e retomar as reformas.