Título: Empreendimentos afetam a oferta de água
Autor: Boechat, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2010, Cidades, p. 20

A falta de planejamento na construção de cidades e de contenção dos sedimentos afetam as nascentes da Bacia do Paranoá. O lago está secando e pede socorro

¿Socorro! Estou secando¿. Uma placa com esses dizeres foi fincada no fundo do Lago Paranoá, na altura da QL 6 do Lago Sul, por um morador da quadra há um ano. Naquela época, só havia água no local. Hoje, mato e lixo encobrem metade do pedido de salvação. Em menos de uma década, a aparência de todo o lago se transformou graças ao desenvolvimento urbano e o crescimento desordenado do Distrito Federal. Cidades erguidas sem planejamento e falta de sistema de contenção dos sedimentos afetaram diretamente as nascentes da Bacia do Paranoá e, consequentemente, a qualidade do lago. Se nada for feito para mudar esta realidade, a situação tende a piorar com o constante desenvolvimento do DF nos próximos anos.

O Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal (Pdot) prevê novos centros urbanísticos. Um deles é o Setor Habitacional Catetinho. Ainda sem previsão de ser instalado, o empreendimento contará com 637 hectares ¿ o correspondente à 637 mil m² ¿ entre o Gama e o Park Way. A 22km do Plano Piloto, o novo bairro será composto por casas e condomínios de prédios de até 12 andares. O governo espera levar 40 mil pessoas à região. No novo setor batizado de Jardins Mangueiral, situado entre os condomínios do Jardim Botânico e a entrada de São Sebastião, a área será parcelada a fim de criar mais 8 mil unidades imobiliárias para uma população estimada em 30 mil habitantes. Segundo o Governo do Distrito Federal, a construção deste bairro será ecologicamente correta.

Saiba mais... Levantamento mostra que 5% do Paranoá está assoreado A construção destes setores habitacionais impactarão diretamente nas nascentes. Próximo ao Park Way passam os córregos Vicente Pires e Riacho Fundo, os dois maiores da parte sul da Bacia do Paranoá. O Vicente Pires é alimentado ainda por outros quatro córregos menores, que estão ameaçados: Vereda Grande, Arniqueira, Vereda da Cruz e Samambaia. O documento responsável pela organização territorial do Distrito Federal, no entanto, prega medidas de defesa ambiental contra a contaminação dos cursos d¿água com sedimentos em geral sem tratamento prévio. ¿É necessária a definição de áreas para transbordo, tratamento, processamento e disposição dos resíduos sólidos antes de chegar ao Lago Paranoá¿, determina o documento.

Do lado oposto do Distrito Federal está prevista a construção do Setor Noroeste. Ainda que idealizado como ¿bairro verde¿, ou seja, voltado para o meio ambiente, os especialistas temem a influência do aumento demográfico e urbano nesta região. ¿A preocupação ali é menor. Além de a parte norte sofrer menos impacto, ainda tem o Parque Nacional de Brasília para amenizar os danos¿, explicou Eduardo, assessor de recursos hídricos da Adasa. O novo bairro contará com alguns bolsões de retenção dos resíduos, a fim de evitar que os sólidos cheguem ao Lago Paranoá.

Assim como o morador responsável pela placa de socorro dentro do lago, o empresário Adriano Freire, 28 anos, também previa o assoreamento da região. Assustado com a situação, ele pede pressa ao governo para revitalizar a Bacia do Paranoá. Da janela de casa, ele acompanha a evolução do assoreamento no braço sul do lago. O deck do terreno às margens do lago está rodeado de vegetação. E a situação se repete na casa de todos os vizinhos em direção à QL 1. Ele mora na casa há 13 anos e acompanhou o assoreamento rápido desta parte do lago. O pai, Eduardo, 51, gostava de andar de lancha na região. Hoje, a embarcação não chega perto do terreno. Em épocas de seca, as plantas que se transformam em ilhas. ¿Há seis anos, eu via o lago. Agora é só terra. O assoreamento aconteceu em uma velocidade gigantesca¿, contou Adriano. Animais silvestres, como capivaras, começaram a viver entre as plantas e água suja.

Córregos A atual situação do lago é um reflexo do que ocorre nos córregos da Bacia do Paranoá. Ao redor destes cursos d¿água estão cidades em desenvolvimento, como Taguatinga, Núcleo Bandeirante e Águas Claras. Sedimentos de construções e lixo gerado pela comunidade são levados pela chuva. Com o passar do tempo, algumas nascentes deixaram de existir. Outras tornaram-se intermitentes. Para evitar que o problema se agrave ao longo dos anos, a população precisa se envolver na causa.

O Córrego Sucupira, próximo ao Riacho Fundo, sumiu do mapa. Ele aparece para os moradores da região em períodos de chuva. O Veredas da Cruz, que abastece o Vicente Pires, rebaixou 5lcm do leito original desde a construção de Águas Claras. ¿Os órgãos responsáveis devem desassorear e recuperar as nascentes. Os moradores devem ter cuidados com o lixo e se preocupar com o meio ambiente¿, aconselhou Eduardo, da Adasa.

O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) tem um grupo de recuperação das nascentes do Distrito Federal desde 2001 chamado Adote uma nascente. Segundo a coordenadora do programa, Vandete Maldner, 55 nascentes estão sob cuidados de voluntários. ¿Todos eles estão ameaçados em função da ocupação urbana¿, explicou. Pessoas fazem doações em dinheiro ou de materiais para a recuperação córregos. ¿As placas são derrubadas e pichadas. A comunidade precisa preservar essas áreas¿, explicou Vandete. Pessoas interessadas em adotar uma nascente podem ligar no 3214-5658.