Título: Acordo de fim de ano
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 30/12/2009, Política, p. 3

Planalto cedeu a pressões e conseguiu garantir sanção do Orçamento de 2010. Nos bastidores, chegou a cogitar mandar técnicos a Aracaju e Fortaleza para recolher assinaturas

Lima: ¿Se dependesse de mim, iríamos para o pau no plenário. Mas o governo tinha pressa¿

O governo tomou frente nas negociações e conseguiu garantir o envio do Orçamento de 2010 à sanção presidencial até o final desta semana. Para tanto, precisou ceder à pressão de parlamentares, da oposição e até aliados, que reivindicavam mais dinheiro para os estados que representam. A lógica do Executivo levou em conta os prejuízos que seriam desencadeados caso a peça orçamentária ficasse engavetada no Congresso até fevereiro de 2010. Por isso, decidiu ceder e atender as demandas que lhe foram feitas, sabendo que, no fim das contas, poderá fazer remanejamentos ao longo do próximo ano para aplicar o dinheiro da União como julgar melhor.

A articulação para tirar o Orçamento das mãos do Congresso ganhou peso depois que reportagem do Correio publicada ontem mostrou que rusgas políticas haviam colocado em risco a tramitação da peça, aprovada pelos parlamentares no último dia 22. Uma disputa protagonizada pelo relator-geral do Orçamento no Congresso, deputado Geraldo Magela (PT-DF), e o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (DEM-GO), prometia enterrar as possibilidades de o Orçamento seguir para o Executivo ainda este ano. Caiado cobrava o corte de todas as emendas de investimento incluídas pelo relator no Orçamento, que somavam R$ 2,6 bilhões.

Cortes Magela, no entanto, cortou apenas R$1,8 bilhão de suas emendas, preservando destinações de recursos demandadas pelo governo às vésperas da votação. Caiado não aceitou a manobra e chegou a pedir na última segunda-feira ao presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP), a destituição de Magela como relator e a suspensão do envio da peça ao presidente Lula até que os termos do relatório final fossem modificados.

Para resolver o impasse, o Executivo acionou o líder do governo na Comissão Mista de Orçamento, deputado Gilmar Machado (PT-MG). Com carta branca para atender a demanda da oposição, Machado negociou com Caiado e Magela. Conseguiu selar um acordão entre governo e oposição, embora alguns ainda manifestem, mesmo que discretamente, o contragosto com a medida. ¿O meu interesse é atender as necessidades do governo e do país. Precisava entregar o Orçamento. Em nome disso, abro mão de todas as minhas opiniões pessoais¿, comentou Magela.

Machado também precisou intervir em outra questão. O presidente da Comissão Mista de Orçamento, senador Almeida Lima (PMDB-SE), estava insatisfeito com o corte de emendas do relator que retiravam dinheiro destinado a obras de irrigação das regiões Nordeste e Centro-Oeste, que somavam R$ 280 milhões. Parte desse dinheiro (R$ 118 milhões) não será alvo da tesourada. Além disso, Almeida Lima conseguiu uma garantia do governo de que seu estado receberá uma suplementação nessa verba no próximo ano.

Pendenga das verbas

Como era Geraldo Magela havia reservado R$1,2 bilhão em emendas para investimentos nos estados que serão sede da Copa do Mundo de 2014

O Ministério do Planejamento enviou, às vésperas da votação, uma reestimativa de receita no valor de R$ 3,9 bilhões, já prevendo onde e como seria gasto esse dinheiro. O relator seguiu a orientação do governo e implementou a mudança no Orçamento por meio de emendas

R$ 280 milhões destinados a projetos de irrigação em estados das regiões Nordeste e Centro-Oeste por meio de emendas do relator foram cancelados durante a votação do Orçamento

Como ficou O relator foi obrigado a cancelas essas emendas. O valor foi dividido proporcionalmente em emendas de bancada ¿ elaboradas por parlamentares de um mesmo estado

Com o acordo selado, ontem, boa parte dessas emendas também será cancelada, e o valor, repassado às emendas de bancada

O acordo de ontem garantiu a liberação de parte desses recursos, num valor total de R$ 118 milhões. Para garantir a sanção da peça, o Executivo se comprometeu a fazer complementações nesse valor ao longo do próximo ano

Férias canceladas Valter Campanato/ABr - 18/6/06 Machado: volta a Brasília e negociações para garantir Orçamento

Gilmar Machado (PT-MG) já estava em seu estado quando recebeu, na última segunda-feira, um telefonema de Brasília. Interlocutores do Executivo avisavam ao líder do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO) que seria preciso intervir na disputa política que estava colocando em risco a tramitação do Orçamento. Machado voltou para a capital e deu início a uma série de reuniões.

Com a missão de tirar o orçamento do Congresso, falou com o relator-geral da peça, Geraldo Magela (PT-DF), que desfrutava do recesso em Fortaleza com a família, na tentativa de minimizar o estrago que as reivindicações do líder do Democratas, Ronaldo Caiado (DEM-GO), haviam causado.

Na outra mão da articulação, sentou com a oposição para comunicá-la de que todas as suas exigências seriam atendidas pelo governo. Diante da proposta, a oposição decidiu comemorar. ¿Houve um recuo de 100% da parte do governo. Foi uma ação importante da oposição¿, afirmou Caiado.

Em uma terceira via, Machado partiu para o convencimento do presidente da Comissão Mista de Orçamento, o senador Almeida Lima (PMDB-SE). Ele estava irritadíssimo com a oposição, especialmente com Caiado. Classificou como uma ¿imoralidade¿ a exigência do cancelamento de emendas do relator que destinavam dinheiro para projetos de irrigação em estados das regiões Nordeste e Centro-Oeste, entre eles, claro, o dele.

Almeida Lima era uma peça fundamental no xadrez de Gilmar Machado. Sem a assinatura do presidente da CMO, seria impossível encaminhar o Orçamento para sanção presidencial. Convenceu, mas não acalmou o aliado. ¿Se dependesse de mim, eu não atenderia o DEM. Eu não gosto de barganha. Iríamos para o pau no plenário do Congresso. Mas o governo tinha pressa.¿

A vontade de retirar o Orçamento do Congresso era tamanha que chegaram a cogitar a possibilidade de que técnicos da Câmara fossem pessoalmente, de avião, a Aracaju e Fortaleza coletar, respectivamente, as assinaturas de Almeida Lima e Magela. Graças à tecnologia e à vontade de agradar ao presidente Lula, não foi preciso. Magela deve voltar a Brasília para entregar o Orçamento no Planalto, e Almeida Lima disse que lançará mão de um scanner para colocar sua chancela na peça.