Título: Dubai é um alerta, diz Meirelles
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Fonte: Correio Braziliense, 28/11/2009, Economia, p. 26

Para presidente do BC, moratória de conglomerado financeiro mostra que há otimismo exagerado com a recuperação mundial

Autoridades do mundo inteiro reagiram ao temor nos mercados financeiros espalhado pelo calote da dívida do conglomerado Dubai World (DW), um dos mais importantes dos Emirados Árabes Unidos. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou ontem que os problemas com a moratória em Dubai, que pode atingir US$ 59 bilhões, são um ¿sinal de alerta¿ contra o otimismo exagerado, num momento em que o reaquecimento da economia global ainda está se consolidando. ¿A recuperação é lenta, dolorosa e sujeita a incertezas e é isso que está acontecendo em Dubai¿, disse ontem após palestra em São Paulo. ¿É uma das razões pelas quais temos alertado contra o excesso de euforia.¿

Segundo Meirelles, os bancos brasileiros não estão expostos aos problemas em Dubai porque há restrições na regulamentação brasileira. Ao longo do dia, executivos dos três maiores (Banco do Brasil, Itaú Unibanco e Bradesco) deram declarações a agências de notícias afirmando que não puseram dinheiro nos projetos do DW. Ele afirmou que autoridades monetárias de outros países já enviaram sinais de que o abalo não deve chegar aos países centrais. ¿Não se prevê nenhum colapso no sistema financeiro global. O fato é que o ambiente hoje é de cuidado. Alguns bancos devem perder recursos nessa instituição, mas não é algo que possa lembrar episódios passados¿, disse. ¿O Brasil está preparado para enfrentar essa situação, como enfrentou muito piores no passado.¿

Num jantar da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, se limitou a dizer: ¿Eu acho que (a moratória do DW) não vai causar nenhum efeito no Brasil. O problema já aconteceu no âmbito internacional¿. Em outros países, a preocupação é maior. O primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, afirmou que o calote é mais uma amostra de que o mundo terá dificuldades para superar a crise. ¿A saída da crise não vai ser fácil e flutuações são possíveis¿, disse, admitindo reflexos da moratória na economia russa. Seu colega francês, François Fillion, apelou para que os outros seis emirados da região, principalmente o mais rico Abu Dhabi, salvem o conglomerado.

Na visão do primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, o sistema financeiro internacional está mais forte agora e será capaz de lidar com esse problema. ¿Embora seja um revés, não tem a escala dos problemas anteriores com os quais tivemos que lidar¿, disse.

Embora seja um revés, não tem a escala dos problemas anteriores com os quais tivemos que lidar¿

Gordon Brown, primeiro-ministro do Reino Unido

HSBC é o mais exposto

O banco britânico HSBC é o estabelecimento estrangeiro mais exposto à dívida de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, com 11,3 bilhões de euros (R$ 29,6 bilhões) de empréstimos no fim de 2008, segundo dados disponíveis na página da Associação dos Bancos nos Emirados (EBA) na internet. O Credit Suisse calculou em 13 bilhões de euros a exposição dos bancos europeus à dívida de Dubai e das empresas a eles associadas (principalmente a companhia de investimentos Dubai World e a construtora e incorporadora Nakheel), segundo um estudo publicado quinta-feira após o pedido de moratória feito quarta-feira pelo emirado.

O HSBC, que está na região há muitos anos, não quis comentar seu prejuízo. Um porta-voz indicou, no entanto, um ¿sentimento geral da falta de clareza neste caso¿. O segundo banco mais presente nos Emirados é o Standard Chartered, um outro banco britânico, cujos empréstimos concedidos chegam a 5,1 bilhões de euros, no fim de 2008, segundo a EBA. Em seguida, vem o britânico Barclays, com 2,3 bilhões de euros em empréstimos. O primeiro banco francês atingido é o BNP Paribas, cujos empréstimos chegaram a 1,1 bilhão de euros no fim de 2008.

Os Emirados se apoiam em um setor bancário muito desenvolvido e os quatro estabelecimentos que emprestam na região são todos locais. Entre eles, o Emirates NBD (National Bank of Dubai) é de longe o banco mais envolvido, com 34,3 bilhões de euros de empréstimos no fim de 2008, segundo a EBA. O NBD faz parte do grupo de quatro bancos de Dubai colocados sob vigilância negativa anteontem pela agência Standard and Poor¿s, o que significa que pretende reduzir sua nota.

O número Investimento R$ 29,6 bilhões Valor da exposição do HSBC ao Dubai World

Análise da notícia Risco ainda longe do fim

A súbita inadimplência de um participante do mercado financeiro tido como inabalável mostra que os riscos da crise ainda estão longe de acabar. Demorou, mas a desvalorização dos imóveis e a retração dos mercados vergaram o Dubai World. Novos casos podem ocorrer. Já se discutiu à exaustão como os pacotes de ajuda governamentais injetaram trilhões de dólares em uma economia global sem demanda.

Um dos efeitos colaterais negativos dessas políticas é a possibilidade de captar dinheiro barato para financiar qualquer iniciativa. Em um artigo recente, Bill Gross, diretor do fundo norte-americano Pimco, o maior do mundo, lembrou que alguns fundos estão oferecendo um rendimento líquido de 0,01% ao ano. Nesse passo, um investidor demoraria 6.932 anos para dobrar seu capital.

Os juros baixos nas principais economias podem acentuar surtos incontroláveis de alavancagem, com consequências imprevisíveis. É preciso estar atento às lições que Dubai pode nos ensinar.