Título: Acre decreta emergência devido a descontrole na entrada de haitianos
Autor: Krakovics, Fernanda; Roxo, Sérgio
Fonte: O Globo, 10/04/2013, País, p. 6

Senador critica ministros por ainda não terem ido ao estado para conferir situação

O governo do Acre decretou ontem situação de emergência social devido à entrada "de forma descontrolada" de imigrantes ilegais, principalmente haitianos, e à incapacidade de atendimento a essas pessoas. A medida tem caráter político, para chamar atenção do governo federal, sem efeitos jurídicos. De acordo com o governo do estado, a situação se agravou nos últimos 15 dias, e a fronteira com o Peru e a Bolívia virou uma rota internacional de imigração ilegal.

- Foram mais de 1.100 imigrantes que entraram nos últimos dias. Se houver um tiroteio, tráfico de drogas ou uma epidemia, o que nós, enquanto estado, poderemos fazer, já que são imigrantes ilegais? - afirmou o governador Tião Viana (PT).

- Eles (os ministros) já tinham que ter pego um avião e ido lá - cobrou, em Brasília, o senador Jorge Viana (PT-AC), irmão do governador.

A corrente migratória do Haiti começou em 2010, após o terremoto que devastou aquele país. Por conta disso, o governo brasileiro estabeleceu, em janeiro de 2012, uma cota de cem vistos humanitários por mês. Mas só nestes três primeiros meses de 2013 ingressaram 1.700 haitianos ilegalmente pelo Acre, de acordo com o governo do estado.

O Ministério de Relações Exteriores afirmou que sua responsabilidade se restringe à concessão de vistos na Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, capital do Haiti. E que cabe ao Ministério da Justiça o controle de fronteiras. Já o Ministério da Justiça afirmou que tem se esforçado para resolver a situação.

Parte dos imigrantes vive hoje nas ruas de São Paulo

Em São Paulo, sem entender o que as pessoas em volta falam, um grupo de quatro haitianos caminhava sob uma fina garoa pela Baixada do Glicério, uma área degradada próxima à Praça da Sé, ocupada por usuários de drogas e carroceiros. Com bolsos vazios, eles procuravam um lugar para passar a noite.

- Não temos dinheiro - disse Dukens Sthales, de 33 anos, o único do quarteto que falava espanhol, ainda assim com bastante dificuldade.

Hospedado no alojamento da Casa do Migrante da Igreja Nossa Senhora da Paz, o quarteto havia perdido o horário de entrada no local, na tarde de segunda-feira. Segundo eles, as portas fecham às 18h. Não sabiam onde dormiriam.

Os outros integrantes do grupo apenas se comunicam em francês e crioulo, os idiomas oficiais do Haiti. Durante cerca de dez minutos, Sthales perguntou quatro vezes se o repórter poderia ajudá-lo a conseguir um emprego.

Parte da nova leva de imigrantes haitianos já toma as ruas do Centro de São Paulo. Seduzidos por relatos de amigos e parentes, carregam o sonho de arrumar um emprego.

- Quero trabalhar na construção. No Haiti, não tem emprego, não tem nada. - conta Sthales.

Por 12 anos, ele trabalhou em obras na República Dominicana, país que divide a mesma ilha com o Haiti. Numa das visitas que fazia frequentemente à família em Porto Príncipe, soube que um amigo que tinha se aventurado no Brasil "conseguira um bom emprego".

Decidido a tentar a sorte, reuniu os outros três amigos, que viviam na capital haitiana, e iniciaram maratona que durou mais de um mês. De Porto Príncipe, seguiram por terra para Santo Domingo, capital da República Dominicana. De lá, pagaram US$ 1.500 cada um por uma passagem de avião até Quito, no Equador. Da capital equatoriana, foram de ônibus para Lima, capital do Peru, onde pegaram um novo ônibus para a fronteira brasileira. Entraram no país pelo Acre. Da cidade de Brasileia, gastaram outros quatro dias de ônibus para percorrer os mais de 3.600 quilômetros até São Paulo.

Marcelin Saintobin, de 42 anos, também quer trabalhar na construção. Já Kenson Jerome, de 31, acredita que a sua experiência como motorista no Haiti também pode ajudá-lo a conseguir um trabalho. Ele desconhece a exigência de carteira de habilitação profissional para exercer a profissão no Brasil. A irmã de Kenson, Cladys Jerome, de 36 anos, a única mulher, acha que pode trabalhar como atendente em supermercado apesar de não saber falar português.

A rotina do quarteto tem sido bater perna na rua em busca de um emprego. Eles fazem questão de mostrar os documentos para provar que entraram legalmente no país.

Os haitianos criaram um reduto em duas ladeiras da Baixada do Glicério. Algumas das pensões são ocupadas quase totalmente pelos imigrantes. O cenário, de ruas sujas e mal iluminadas, dominadas por biroscas e tomadas pelo barulho constante dos carros, está distante do eldorado imaginado.

- Queremos uma vida melhor no Brasil - diz Sthales.