Título: No velório, Maduro imita e faz tributo ao mentor
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 09/03/2013, Mundo, p. 35

A cerimônia oficial em memória do presidente venezuelano, Hugo Chávez, reuniu cerca de 30 chefes de Estado e governo de diversas partes do mundo e ideologias, além de celebridades, como o ator Sean Penn e o reverendo Jesse Jackson, e serviu de palco para que o presidente em exercício, Nicolás Maduro, se apoderasse do discurso e da herança política de seu padrinho. Embora estivessem presentes os filhos e a mãe de Chávez, coube a Maduro o único discurso da cerimônia, em frente ao caixão.

Segundo o presidente em exercício, nunca na História da Venezuela um homem foi tão atacado e injustiçado quanto Chávez.

- Aqui e no mundo. Mas nem as mentiras, nem os ódios puderam derrotá-lo. Não puderam porque nosso comandante tinha dentro de si um escudo, que era a pureza. E aqui está ele, invicto, vivo, transparente. Não puderam com você, não poderão com você - disse, chorando.

Em seu discurso, Maduro usou o mesmo estilo do comandante, recorrendo à História da Venezuela e ao herói nacional, Simón Bolívar. Apesar, segundo ele, de Chávez ter sido atacado, ele perdoou a todos porque agiu como Jesus Cristo.

- Com o amor de Cristo, perdoou a todos que o injuriaram. Hugo Chávez foi um cristão autêntico, um redentor em Cristo dos povos desta terra e de todas as terras do mundo.

"chávez está vivo"

Com um exemplar da Constituição da Venezuela em mãos, Maduro falou que ali estava o testamento de Chávez e que o país é de todos.

- Se alguém quer saber quem é Hugo Chávez, aqui está a Constituição, sua Constituição apoiada e discutida pelo povo. Tudo o que somos hoje está aqui, esta é nossa guia.

Dirigindo-se ao presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, agradeceu a presença e sugeriu que continuem trabalhando juntos. Santos, aliás, ao chegar à Academia Militar, fez questão de cumprimentar a multidão e foi saudado com alegria pelos presentes - de forma bem diferente da época em que o presidente colombiano era Álvaro Uribe. Maduro também agradeceu a presença de representantes do governo dos Estados Unidos, mas não deixou de alfinetar:

- Amamos todos os povos da América, mas queremos relações de respeito. Queremos um mundo sem impérios e de paz.

A cerimônia oficial durou aproximadamente duas horas. Entre os líderes presentes estavam o presidente de Cuba, Raúl Castro; o do Irã, Mahmoud Ahmadinejad; o ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, apontado como um dos mais corruptos do mundo; o presidente de Honduras, Porfírio Lobo, e o ex-presidente do país, Manuel Zelaya, que se sentaram lado a lado, separados apenas por um pequeno corredor. A presidente Dilma Rousseff esteve no velório na noite de quinta-feira, mas retornou ao Brasil e não participou da cerimônia de ontem.

O reverendo Jesse Jackson, um dos três religiosos a proferir orações, elogiou Chávez e pediu sabedoria para Maduro:

- Estamos aqui não porque Chávez está morto, mas porque está vivo. Que Deus conceda sabedoria a Maduro e o fortaleça no momento em que a ele compete manter vivos os sonhos.

Jackson também defendeu uma integração maior entre Venezuela e Estados Unidos. A turbulenta relação entre os dois países teve como capítulo mais recente a expulsão de dois funcionários da embaixada americana em Caracas, horas antes do anúncio da morte de Chávez, na terça-feira, sob acusação de conspiração.

- Somos vizinhos, estamos no mesmo continente, compartilhamos a mesma paixão pelo beisebol, recursos naturais. Que haja paz entre as nações.

Maduro encerrou o ato com uma convocação:

- Missão cumprida, comandante. A batalha continua. Até a vitória, sempre - discursou, enquanto os convidados entoavam palavras de ordem: "Chávez vive, a luta continua."