Título: Confronto em desocupação de terra indígena tem oito feridos
Autor: Carvalho, Cleide
Fonte: O Globo, 11/12/2012, País, p. 6

Invasores de área xavante atacaram Força Nacional a pedradas

cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br

SÃO PAULO Manifestantes entraram em confronto com policiais da Força Nacional ontem, primeiro dia de desocupação das Terras Indígenas Marãiwatsèdè, do povo xavante, no Mato Grosso. Segundo a Polícia Federal, o conflito ocorreu na Fazenda Jordão, primeira a ser visitada pelo oficial de Justiça. Paulo Maldos, secretário nacional de Articulação Social, informou que a equipe vistoriava a fazenda quando foi atacada com pedradas. Os policiais revidaram com gás de efeito moral e balas de borracha. Pelo menos oito pessoas tiveram ferimentos leves, entre eles dois policiais rodoviários. A BR-158 foi interditada por produtores rurais, que abriram valas na altura do município de Alto Boa Vista.

No total, 455 pessoas foram notificadas a deixar a terra indígena, e a retirada começou por grandes fazendeiros. Um relatório do Ministério Público Federal (MPF) mostra que um terço das terras está nas mãos de 22 grandes posseiros, entre políticos da região, grandes fazendeiros e até um desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, Manoel Ornellas de Almeida. A fazenda do desembargador tem 886,8 hectares (ha). Procurado pelo GLOBO, ele não retornou a ligação. A Fazenda Jordão, palco do conflito, é a maior propriedade individual, com 6.193,99 ha, equivalente a 6 mil campos de futebol, e pertence a um ex-vice-prefeito de Alto Boa Vista, Antonio Mamede Jordão.

Filemon Gomes Costa Limoeiro, atual prefeito de São Félix do Araguaia, é, segundo o MPF, posseiro da Fazenda Aripuanã e Saraiva, ambas somam 565,5 ha. Aldecides Milhomem de Cirqueira, ex-prefeito do município de Alto Boa Vista, e seu irmão, Antonio Milhomem de Cirqueira, têm seis fazendas dentro das terras indígenas, num total de 2.200 ha. Admilson Luiz de Rezende, ex-vereador de Alto Taquari, tem três fazendas, com 6.641,3 ha. Somadas, as áreas dos 22 posseiros têm 43 mil hectares. Todos argumentam que têm escritura de suas terras. Segundo Maldos, as fazendas acumulam R$ 158 milhões em multas por crimes ambientais, que nunca foram pagas.

- É uma tragédia anunciada. Pessoas vão morrer e não será por falta de aviso - disse o advogado da Associação de Produtores Rurais da Gleba Suiá-Missú (Aprossum), Luiz Alfredo Feresin, que representa os ocupantes da terra indígena.

Um documento em poder do MPF contém escutas de uma reunião promovida por políticos locais em Posto da Mata, em 1992, logo depois que a italiana Agip, dona da área, anunciou que devolveria as terras aos xavantes durante a Eco-92. As transcrições revelam que as ocupações foram incentivadas. "Se a população achou por bem tomar conta dessas terras em vez de dá-la para os índios, nós temos que dar respaldo a esse povo e, baseado nisso, estamos aí. Não é a prefeitura que está levando o povo para dentro da gleba, a prefeitura não colocou carro à disposição de ninguém, é o próprio povo que está entrando. (...). Esta área ainda não foi passada a escritura para os índios, ainda é da fazenda (...)", disse o então prefeito de Alto Boa Vista Antonio José de Almeida, o Baú, atualmente prefeito eleito de São Félix do Araguaia pelo PPS. E continuou: "Eu acho que vocês têm de se organizar, dentro da área, e essa reunião aqui seria para escolher os líderes (...) Nós temos que escolher, não eu em si, seria vocês, espontaneamente, escolher os líderes, que amanhã nós vamos ter de conversar com as autoridades..."

Os índios só saem da aldeia escoltados pela Força Nacional. A Rede Cáritas divulgou ontem nota assinada por 15 entidades não governamentais manifestando irrestrita solidariedade a Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, ameaçado pelos invasores da área indígena. Na semana passada, em um bar de São Félix do Araguaia, um homem anunciou que Dom Pedro "não passaria" daquela semana. O bispo deixou a sua residência na última sexta-feira. Ele se recusou a ficar sob proteção da PF, mas foi escoltado até o aeroporto, onde um avião fretado pela igreja o levou a Goiânia para festa em homenagem aos 90 anos do bispo emérito de Goiás, Dom Tomás Balduíno. ( Colaborou Anselmo Carvalho Pinto, de Cuiabá)