Título: Apelo por armas para Aleppo
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Fonte: O Globo, 30/07/2012, O Mundo, p. 28

Entrincheirada em alguns bairros, oposição resiste às forças de Assad e pede ajuda externa

GUERRA CIVIL EM EXPANSÃO

DAMASCO. As armas de que eles dispõem não são o bastante para frear o poderio de tanques e helicópteros usados pelo regime do presidente Bashar al-Assad, e os opositores se viram forçados a pedir ajuda externa. Diante da perspectiva de um massacre de grandes proporções em Aleppo, onde os combatentes estão encurralados em alguns bairros, o Conselho Nacional Sírio (CNS), maior bloco de oposição, fez um apelo por ajuda externa para armar os rebeldes e pela criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Síria.

- Se a comunidade internacional não pode agir, deveria ao menos ajudar a oposição com mísseis antitanque e foguetes terra-ar. Queremos armas capazes de parar tanques e caças. É isso que queremos - pediu o líder do CNS, Abdel Basset Saida, em Abu Dhabi.

Num comunicado, o CNS também pediu uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU para impedir o "massacre de civis em Aleppo" - e a criação de uma zona de exclusão aérea sobre todo o país. Saida também não hesitou em pedir ajuda financeira para obter "mudanças significativas" no campo de batalha. Segundo ele, são necessários US$ 145 milhões por mês - enquanto a oposição recebeu, até agora, apenas US$ 15 milhões para arcar com os custos do levante.

Os rebeldes desafiaram as Forças Armadas em combates homem a homem para tentar assegurar a hegemonia de oito zonas de Aleppo. Após dias de bombardeios e combates, o Exército Livre da Síria (ELS) diz ter o controle de uma faixa que vai do Leste ao Sul - tendo como quartel-general o bairro pobre de Salah al-Din. Entre soldados governistas e opositores, porém, há um consenso, único: o de que a batalha final pela capital econômica da Síria sequer começou.

CHANCELER DIZ que regime venceu em damasco

Observadores, porém, advertem para a falta de unidade da oposição, mesmo entre os diversos grupos que lutam nas ruas da Síria - todos autointitulados combatentes do ELS, ainda que não haja um comando único.

O regime sírio, por sua vez, aproveitou para mandar um recado à dissidência, e de um local bastante simbólico, o Irã, seu aliado. Em visita a Teerã, o chanceler sírio, Walid al-Muallem, declarou vitória na briga por Damasco:

- Hoje eu digo a vocês que a Síria está mais forte. Em menos de uma semana, eles foram derrotados em Damasco e a batalha fracassou. Então, moveram-se para Aleppo, e eu garanto que os complôs vão fracassar.

O chanceler de Assad também acusou Israel de estar por trás da crise síria - que o regime atribui a terroristas estrangeiros - e acusou os governos sunitas de Turquia, Qatar e Arábia Saudita de patrocinarem a instabilidade.

Ontem o ELS conseguiu, por exemplo, montar uma rede de postos de controle, operados por jovens, nos bairros sob seu domínio em Aleppo. Mas a violência dos bombardeios de tanques e helicópteros não deixou muitas opções aos rebeldes, entrincheirados. Um comandante opositor em Bustan al-Qasr admitiu problemas, principalmente de comunicação. Os rebeldes têm walkie-talkies, mas o regime conseguiu interferir nas telecomunicações.

- Se não tivermos acesso a armas pesadas, vai demorar dois ou três anos para derrotar a máquina militar de Assad - disse ele ao "Guardian".

Mas, mesmo sob dificuldades, a oposição mostrou capacidade de resistir.

- Conseguimos fazer o Exército recuar do bairro de Hamdaniyeh e de Salah al-Din - disse o coronel Abdel Jabbar al-Oqaidi, do ELS. - Mas isso não significa necessariamente um recuo deles. A estratégia é bombardear, causar recuos nossos e, então, lançar uma ofensiva ainda mais dura.

Os combates de ontem se concentraram nos arredores do centro, em áreas como Bab al-Hadid, Zahraa, Arkub e al-Hindrat Camp, todas atingidas por disparos de artilharia. Helicópteros sobrevoavam os bairros de Saif al-Dawla e Salah al-Din, levando medo aos que ficaram na cidade. Apesar do apoio à oposição, queixas sobre o temor dos bombardeios e a escassez de pão e combustível têm se tornado cada vez mais frequentes.

- Não temos nada para comer - disse uma mulher, que se aglomerava com cerca de cem pessoas na fila de uma padaria de Bustan al-Qasr.

A chefe humanitária da ONU, Valerie Amos, calculou em 200 mil o número de civis que fugiram de Aleppo somente nos últimos dois dias e pediu acesso seguro para que seja possível prestar socorro à população civil.

- Não sabemos quantas pessoas continuam presas nos locais onde ocorrem os confrontos. Muitos encontraram refúgio temporário em escolas e outros edifícios públicos em áreas mais seguras, e precisam com urgência de alimentos, cobertores e água potável.

O centro de Aleppo permanece deserto. O lixo se espalha pelas ruas, onde não são raros muros com grafites onde se lê "Abaixo Bashar", "Liberdade" e "Viva o Exército Livre da Síria".

- A vida ficou insuportável. Estou no carro, saindo agora. Há bombardeio noite e dia, todos os dias. Pão, gasolina e gás são vendidos no mercado negro a preços altíssimos - relatou um escritor sírio, prestes a deixar a cidade.

Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, radicado em Londres, os confrontos e bombardeios do fim de semana varreram, ainda, as províncias de Hama, Homs e Idlib. Ao menos 168 pessoas foram mortas de sábado para domingo - sendo 94 civis, 33 combatentes do ELS e 41 soldados do regime. Um jornalista francês ferido em Aleppo foi levado para a Turquia.