Título: Analistas alertam sobre a política do juro baixo
Autor: Justus, Paulo; Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 15/07/2012, Economia, p. 27

SÃO PAULO e BRASÍLIA. O mais recente corte na taxa básica de juros, de 8,5% para 8% ao ano, promovido na última quarta-feira pelo Banco Central (BC), reforça a determinação da presidente Dilma Rousseff em deixar como legado de sua administração os menores juros reais (já descontada a inflação) da história do país, de preferência abaixo de 2% ao ano. É como se o governo estivesse substituindo a meta de inflação por um novo alvo: os juros. Porém, se o corte das taxas é uma boa notícia para a economia, sua manutenção nesses patamares pode não ser tão fácil, de acordo com economistas ouvidos pelo GLOBO.

Eles alertam que a inflação pode voltar a dar trabalho já no início de 2013, trazendo de novo a necessidade de elevação dos juros e reduzindo o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Segundo os especialistas, o pano de fundo desse círculo vicioso é a falta de uma política a longo prazo, com reformas que reduzam a burocracia, os gastos de governo e a carga tributária, estimulando a economia por meio do investimento e não apenas do consumo, como tem ocorrido até agora.

O ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, vê com preocupação a defesa enfática da queda de juros como uma forma de política de governo. Para ele, os cortes de juros devem continuar, levando a Selic a até 7% neste ano. Mas ele alerta que já no ano que vem a taxa deve voltar a subir, para combater a inflação que deve ser pressionada principalmente pelo mercado de trabalho, que se encontra com baixo nível de desemprego e salários em alta.

- Se os ventos que vêm de fora não forem ventos de recessão e a economia brasileira começar a se recuperar, a inflação vai dar trabalho no ano que vem. Isso pode levar a Selic para 9,5% ao ano no fim de 2013 - afirma.

Trazer o corte de juros para o discurso político é risco

Loyola diz que a Selic é antes de tudo uma forma de o BC controlar a inflação. Ao trazer a taxa básica de juros para o discurso político, a presidente Dilma e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dificultam esse trabalho:

- Suponha que a inflação comece a subir e o BC tenha a necessidade de elevar os juros. Como é que fica o discurso do governo, que tem defendido a queda? O que muitos temem é que o BC hesite na hora que precise subir os juros em função de terem se tornado um assunto político.

Manter os juros no patamar historicamente baixo é um dos maiores desafios do governo no momento, segundo o também ex-presidente do BC Gustavo Franco, um dos fundadores da gestora de recursos Rio Bravo. Mais que o risco de acordar a inflação, o governo tem de enfrentar uma série de reformas no mundo financeiro e na vida das empresas para ter juros de primeiro mundo. Isso inclui encontrar novas formas para rolar a dívida pública e outros meios para atender a demanda por aplicações de longo prazo.

- Trazer os juros para níveis de primeiro mundo se parece em muito com o combate à inflação alta. Todos querem, mas ninguém quer fazer o que os médicos indicam como necessário. Tentamos enganar os médicos umas oito vezes antes de fazer as coisas direito e terminar com a hiperinflação. Ter juros de primeiro mundo vai ser revolucionário, como foi o Plano Real, e o governo parece ter percebido isso. Porém, espero que não tenha de fazer oito planos heterodoxos de redução de juros antes de acertar - afirmou.

Governo vai pressionar bancos a reduzir tarifas

Franco considera que o governo vive um "conflito de personalidade", num momento em que as políticas adotadas para obter crescimento não dão os resultados esperados:

- O Brasil é um país capitalista pela metade, cheio de corporativismo, cordialidade, favoritismos, seletividade e ineficiência. Ou bem caminhamos na direção de um novo choque de capitalismo que vai seguramente animar os empresários ou vamos tentar caminhar na direção de um modelo chinês de crescimento com mais estatismo, o que acho que seria um desastre.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, diz que há hoje uma janela de oportunidade que permite que o BC leve a Selic a 7% ou até 6,5% ao ano no fim de 2012. O problema é que a falta de políticas a longo prazo faz com que essa redução não venha acompanhada do crescimento econômico. Ele não descarta o risco de estagflação na economia brasileira (estagnação do crescimento econômico, acompanhada de inflação) e acredita que a tentativa de induzir o crescimento econômico com políticas de curto prazo de estímulo ao consumo traz riscos estruturais:

- Até agora, o governo Dilma já tem o segundo pior resultado de PIB nos dois primeiros anos de mandato desde a década de 50 do século passado. O medo de não entregar um crescimento robusto em 2014 pode levar a um vale-tudo econômico perigoso.

A presidente Dilma, por sua vez, está convencida que diminuir o custo financeiro do brasileiro e popularizar o crédito no país será a grande marca da sua gestão. Nas contas do Ministério da Fazenda, os juros reais já estão em 2,5% ao ano. Depois de diminuir as taxas para o menor nível da história, o Palácio do Planalto prepara uma nova investida. Desta vez, o alvo é o preço das tarifas bancárias. A arma da presidente será usar novamente os bancos públicos para forçar a concorrência no setor.

Durante a campanha presidencial, Dilma já havia prometido levar os juros reais do país a 2% ao ano. A meta foi vista com ceticismo por analistas, que foram surpreendidos com uma guinada da política monetária com uma redução de juros dramática depois de sucessivas altas - com o argumento de que a crise era maior do que se esperava.

Noe entanto, a crise econômica mundial criou uma "janela de oportunidade" para o BC cumprir a determinação da presidente. A queda de braço do governo com o mercado ficou clara no início do ano, quando a autoridade monetária avisou que os juros de equilíbrio da economia estavam num patamar novo e bem mais baixo do que o Brasil estava acostumado.

- O governo Fernando Henrique Cardoso foi marcado pela estabilização da economia com o Plano Real. O governo Lula deixou a marca da inclusão social. A arma da presidente Dilma é fazer o crédito virar algo normal na economia - afirmou um interlocutor da presidente.