Título: As armas de cada um
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 15/09/2009, Mundo, p. 26

Chanceleres e ministros de Defesa do bloco se reúnem para debater acordos de cooperação e compra de material bélico que despertam receios de corrida armamentista

O clima de desconfiança evidenciado na última cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), há duas semanas, deve se repetir em Quito, hoje. Só que agora não só a Colômbia terá de prestar esclarecimentos sobre um acordo militar. Governos da região já anunciaram que vão querer mais detalhes sobre as recentes compras militares de Brasil, Venezuela e Chile. Na reunião entre chanceleres e ministros de Defesa dos 12 países que compõem o grupo, Brasil, Equador e Peru apresentarão propostas para monitorar acordos de defesa com países de fora da região.

De acordo com o Itamaraty, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, vai sugerir aos colegas um tratado que estabeleça a obrigatoriedade de cada país informar as movimentações militares e os acordos fechados com terceiros países. A ideia é criar um cenário mais ¿transparente¿, para evitar conflitos diplomáticos como o gerado pela revelação de que os Estados Unidos passariam a usar sete bases militares no território colombiano. Amorim também insistirá para que sejam colocadas em um documento as garantias dadas pelo governo de Álvaro Uribe de que o acordo com Washington tem por finalidade apenas combater o ¿terrorismo interno¿ e o narcotráfico.

Por sua vez, os dois ministros brasileiros levarão a disposição do governo em esclarecer qualquer dúvida dos vizinhos em relação ao acordo com a França para aquisição de 50 helicópteros e cinco submarinos ¿ um deles nuclear. Quem primeiro pediu explicações foi o chanceler colombiano, Jaime Bermúdez, alegando que ¿devem ser discutidos na Unasul todos os temas de interesse regional¿. ¿A Colômbia é muito respeitosa das decisões tomadas por outros países, mas qualquer consideração sobre esse tema deve ser discutida no marco da Unasul¿, argumentou.

A posição foi defendida pelo ministro da Defesa boliviano, Wálker San Miguel, há 10 dias. ¿Certamente, o Conselho de Defesa vai tocar no tema Brasil-França, e seguramente o Brasil dará uma informação adequada¿, disse o ministro à agência EFE. A reunião nem será, tecnicamente, do Conselho de Defesa da Unasul, apesar de reunir todos os representantes máximos de cada governo na área. O Paraguai também está preparado para criticar a ¿corrida armamentista¿ na América do Sul. ¿Obviamente, o investimento desproporcional (em segurança) tem consequências no bem-estar da população¿, disse o chanceler Héctor Lacognata, às vésperas do encontro.

Venezuela

O embaixador da Venezuela na Colômbia, Gustavo Márquez, revelou em entrevista ao jornal El Tiempo, de Bogotá, qual será a mensagem dos representantes de Hugo Chávez em Quito. ¿Que todos coloquem as cartas sobre a mesa. Você tem um acordo com a Rússia? Então, coloque sobre a mesa. Você, com os Estados Unidos? Ponha-o sobre a mesa. É uma mostra de confiança¿, afirmou Márquez. A delegação venezuelana também terá muito a explicar. Só no último fim de semana, depois de uma viagem a Moscou, Chávez anunciou a compra de 92 tanques, sistemas de mísseis antiaéreos e mísseis terra-terra com alcance de 300km ¿ um pacote de US$ 2,2 bilhões com a Rússia.

O professor Rafael Duarte Villa, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), acredita que a solução de um ¿acordo de transparência¿ militar não seria efetivo para a região. ¿Quando falamos de Defesa, não existe transparência absoluta, pois os Estados têm o direito de não revelar detalhes sobre esses acordos¿, afirma Villa. Para o especialista em Defesa e em América Latina, é preciso destacar a diferença entre comprar armas e permitir que um outro país utilize o território. ¿Certamente, isso não tem o mesmo peso. Essas compras não são exatamente acordos, no sentido mais estrito da palavra, como é um acordo sobre uma instalação de uma base em um país.¿

Reforço millitar

Aquisições recentes de material bélico na América do Sul

Brasil 50 helicópteros EC 725 e cinco submarinos, sendo um de propulsão nuclear (França); 36 caças (em processo de concorrência); 12 helicópteros de combate Mi-35M (Rússia); 12 aviões Mirage-2000 e um porta-aviões (França).

Colômbia O principal reforço veio do aumento da presença norte-americana no país, que utilizará sete bases militares colombianas. Nos últimos anos, também adquiriu caças-bombardeiros Kfir (Israel); um avião Boeing 767 modificado para reabastecimento (EUA); e 25 SuperTucanos (Brasil).

Chile Nos últimos anos, comprou cinco helicópteros MIL Mi-17V5 (Rússia); oito fragatas Type 22 e 23 (Reino Unido); dois submarinos Scorpène (França); 46 caças F-16 (EUA e Holanda); 12 SuperTucanos (Brasil); 350 tanques Leopard; 400 blindados de combate M113, YPR-765 e Marder (EUA e Alemanha); dois aviões-tanque KC-135 (Estados Unidos).

Peru Pretende comprar 500 mísseis antitanque dos modelos Kornet (Russo) e Spike (Israel)

Venezuela Desde 2005, suas principais compras militares foram 92 tanques T-72; três submarinos; veículos blindados; sistemas de mísseis S-300 (terra-ar); 24 aviões Sukhoi (foto); 53 helicópteros de transporte e ataque e 100 mil fuzis de assalto AK 103 (Rússia).

Equador Fechou acordo para a compra de 24 SuperTucanos (Brasil)

Honduras fora de reunião da ONU

O embaixador de Honduras nas Nações Unidas, José Delmer Urbizo, apontou o Brasil, a Venezuela e outros países latino-americanos como responsáveis pelo constrangimento a que foi submetido ontem, ao ser expulso da sala onde se reunia o Conselho de Direitos Humanos da organização, em Genebra. Urbizo representa na ONU o governo de fato instalado em Tegucigalpa no fim de junho, com a deposição do presidente Manuel Zelaya(1). Os questionamentos de Brasil, Argentina, México e Cuba paralisaram os trabalhos por toda a manhã e culminaram com a retirada do embaixador hondurenho.

¿Nós voltaremos!¿, gritou Urbizo, em espanhol e inglês, enquanto era escoltado para fora da sala por guardas das Nações Unidas, depois de o presidente do conselho, o belga Alex van Meeuwen, ter-lhe negado a palavra e solicitado que saísse. ¿Eles chamaram os guardas para assegurar que eu sairia, mas não se enganem: nós voltaremos, e essas pessoas verão o que fizeram¿, insistiu Urbizo. O diplomata, que apoiou a substituição de Zelaya pelo presidente do Congresso, Roberto Micheletti, garantiu que retomará o posto depois da eleição presidencial marcada para novembro ¿ e rejeitada de antemão pela grande maioria dos países, inclusive os Estados Unidos, por serem organizadas por um governo considerado ilegítimo.

Urbizo foi vetado pelos quatro países latino-americanos representados atualmente no conselho depois de consultas a Zelaya, que desautorizou o diplomata. ¿O Brasil quis uma confirmação de que o delegado de Honduras representava o governo constitucional do presidente Zelaya, o único que reconhecemos¿, disse um diplomata brasileiro à agência de notícias Reuters. Urbizo protestou contra os adversários e acusou-os de exercerem na ONU uma pressão ¿inspirada pelo regime de (Hugo) Chávez¿. Os partidários do governo de fato acusam o presidente venezuelano de interferir em assuntos internos de Honduras em apoio aos planos de Zelaya para introduzir no país a reeleição presidencial.

O Conselho de Direitos Humanos, criado há dois anos em substituição à antiga comissão dedicada ao tema, tornou-se ele próprio objeto de polêmica por ter entre seus integrantes países como Cuba, acusado pelos EUA e seus aliados de violações sistemáticas dos direitos humanos. A reunião iniciada ontem, na sede da ONU em Genebra, deve se estender até amanhã.

1 - Contragolpe polêmico Foi por ordem da Suprema Corte e do Congresso que os militares hondurenhos foram à residência presidencial na manhã de 28 de junho, um domingo, para levar detido o presidente Manuel Zelaya e embarcá-lo em um avião da Força Aérea com destino à Costa Rica. Zelaya insistia em promover, naquele dia, uma consulta popular informal sobre a convocação de um plebiscito, paralelamente à eleição presidencial de novembro, para decidir a convocação de uma Assembleia Constituinte. A consulta havia sido proibida pelo Legislativo e pelo Judiciário.