Título: Célula-tronco: esperança para cardíacos
Autor: Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 26/02/2012, Ciência, p. 42

Aos 69 anos, Nélson Águia já havia sofrido dois infartos e passado por cirurgias do coração que lhe deram oitos pontes safenas e mamárias. Sem mais opções de tratamento, o músculo cardíaco enfraqueceu a tal ponto que seu prognóstico era viver poucos meses. Dez anos depois, está bem de saúde. Ele se beneficiou do primeiro ensaio clínico no mundo de terapia com células-tronco, realizado por médicos do Hospital Pró-Cardíaco, do Instituto de Ciências Biomédicas e do Instituto de Biofísica da UFRJ e do Texas Heart Institute. Apesar de ainda ser experimental, a terapia com células-tronco (que estimulam a regeneração de tecidos), uma técnica complexa, tem trazido bem-estar e apresentado, em alguns estudos, bons resultados em casos sem qualquer perspectiva de melhora. Entre eles, doenças cardiovasculares e neurológicas graves, diabetes e perda de visão. Nos Estados Unidos, cientistas já testam células embrionárias para tratar paralisia e cegueira. No Brasil, a maioria das pesquisas clínicas usa células-tronco adultas.

Mesmo preliminares, os resultados animam cientistas. Num avanço promissor para infartados, médicos do Instituto do Coração Cedars-Sinai, em Los Angeles, anunciaram, há duas semanas, que reduziram pela metade uma área destruída do coração, reinjetando nele células-tronco cardíacas retiradas do órgão do próprio paciente e multiplicadas em laboratório. Apesar de o experimento não ter recuperado a capacidade cardíaca dos pacientes, a notícia foi comemorada, inclusive por cientistas ao Brasil, que avaliam á terapia com células-tronco em diversas especialidades. A história de Nélson dá ainda mais esperança a quem, como ele, estava desenganado.

- A terapia com células-tronco me salvou; reduziu a isquemia em quase 100%, melhorando o fluxo de sangue do meu coração. Eu, que não conseguia subir escadas há dez anos, hoje tenho vida ativa e sofro apenas as limitações de um homem da minha idade - conta Nélson, que trabalhou até pouco tempo atrás e toma remédios para o coração.

Para o médico Antônio Carlos Campos de Carvalho, coordenador de Ensino e Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia e do Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias, do Ministério da Saúde, é cedo para saber se a terapia funcionará em todos os cardíacos, mas os dados iniciais são animadores. No Brasil, médicos .retiram células-tronco aspiradas da medula óssea, na região do ilíaco (bacia), e as injetam nas artérias coronárias ou no músculo cardíaco, como fizeram os americanos. A estimativa é testar esta terapia em 1.200 pacientes inicialmente. Os primeiros dados serão publicados ainda este ano.

- Passamos da fase 1, de avaliação de segurança, e iniciamos a 2, para saber a eficácia da terapia. Em doentes de Chagas, não houve melhora. Para infarto, ainda recrutamos pacientes. No mundo, alguns estudos mostram benefícios e outros não. E a Europa está iniciando uma pesquisa maior, com três mil pacientes que sofreram infarto, para avaliar se a terapia celular reduz a mortalidade - diz o também professor do Instituto de Biofísica da UFRJ.

Atual secretário de Saúde e Defesa Civil do município do Rio, o cardiologista Hans Dohmann coordenou o primeiro ensaio com células-tronco em terapia cardíaca no pais (do qual participou Nélson Águia), ao lado de Radovan Borojevic. Agora, é responsável pelo grupo de infarto no estudo nacional (143 pacientes), e acredita que os benefícios serão maiores para casos crônicos graves, em que os doentes não têm condições clínicas de receber transplante:

- O caso do Nélson é sinal de que a terapia pode funcionar. Outros que receberam a terapia na mesma época viveram além da nossa expectativa. E a cardiologia é só uma das áreas em que a terapia pode dar certo - diz Dohman.

Também a ortopedia tem conseguido bons resultados com o uso de células-tronco do próprio paciente para, tratar fraturas de ossos longos, como o fêmur, que não se curam ou demoram a se consolidar. Ortopedistas da UFF, liderados por Vinícius Schott Gameiro, avaliam a técnica na Unidade de Pesquisa Clínica do Hospital Universitário Antônio Pedro. Com Douglas Ribeiro, de 31 anos, que fraturou o fêmur num acidente de moto em 2007, funcionou:

- A fratura não consolidava; eu não andava. A terapia acelerou o processo. Hoje, voltei a jogar futebol- comemora

- Na prática, a área mais beneficiada até agora é a dermatologia. A terapia celular tem sido usada em clínicas para melhorar a qualidade da pele envelhecido, e no preenchimento de rugas, sulcos e cicatrizes de acne. Nestes casos, a terapia consiste na extração de fibroblastos (produtores de colágeno e elastina), a partir de uma amostra de pele ou gordura, e em sua reinjeção na derme, explica a dermatologista Paulo, Bellotti, que trabalha com o Laboratório Excellion e com o professor Radovan Borojevic, titular do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. Elizabeth Khoury Raposo, de 68 anos, fez duas aplicações, associadas a outros tratamentos dermatológicos, e aprovou.

- Rejuvenesci. Parece que estou vendo meu álbum de fotografias de trás para frente brinca Elizabeth.