Título: Acordo adia invasão de terras de brasiguaios
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 04/02/2012, O País, p. 13

Mas decisão judicial que ordena a reintegração de posse em propriedades de brasileiros deve acirrar ânimo dos sem-terra

ÑACUNDAY, PARAGUAI. Uma nova rodada de promessas do governo de Fernando Lugo conseguiu ontem duas proezas: diminuiu o ímpeto dos sem-terra, que deram um passo atrás na ameaça de invadir fazendas de brasileiros na fronteira, e expôs uma divisão interna que mostra a fragilidade do grupo diante de soluções para a reforma agrária no país. Os chamados carperos ainda foram surpreendidos com uma decisão judicial que promete acirrar os ânimos na região: a polícia foi convocada para cumprir a reintegração de posse de três terrenos de brasileiros ocupados pelos sem-terra.

A decisão da Justiça, porém, não atinge a maior parte do grupo, instalado nas terras do brasileiro Tranquilo Favero. O pedido de reintegração atingirá cerca de 50 famílias, e não as 10 mil pessoas acampadas em Ñacunday.

Ainda assim, a polícia já foi orientada a atuar com cautela na desapropriação.

"Devem ser realizadas intervenções prévias para se obter informações sobre a quantidade de pessoas, discriminando sexo e idade, em forma coordenada com o Departamento de Direitos Humanos da Polícia Nacional e da Comissão de Direitos Humanos do Ministério do Interior", diz o documento.

No início da madrugada, por telefone, uma voz do comando pediu mais uns dias para novas negociações com instituições paraguaias, acusadas por eles próprios de nunca terem se envolvido com uma das principais questões sociais do Paraguai.

Com isso, o processo para uma eventual ocupação deve se arrastar pelos próximos dias.

Dentro de barracas, munidos de facões e foices, os sem-terra aguardavam o sinal verde para invadir plantações de soja e cana de açúcar, quando foram surpreendidos pela direção do movimento. Acampados há 13 anos, avaliavam que havia "chegado a hora", mas mal o sol apareceu e a notícia era a de que uma comissão interinstitucional — com integrantes do governo, Judiciário e do departamento de demarcação de terra — teria se prontificado a exigir dos latifundiários brasileiros documentos que comprovariam sua titularidade.

— O presidente (Lugo) também está só, tem pouco o que fazer.

Precisamos de todas as instituições do nosso lado. Se decidirem ocupar, lavo as minhas mãos —analisava ontem o líder sem-terra Victoriano Cardoso, que, no dia anterior, havia se reunido com autoridades em Assunção.

Minutos antes, numa barraca próxima, outro dirigente, Rosalino Casco, argumentava que nada mais os impediriam de ocupar as chamadas terras públicas.

Outro argumento para tentar arrefecer os ânimos dos sem-terra é que, mais uma vez, técnicos do departamento agrário voltariam à região para uma nova demarcação da área. Assim como já fizeram outras cinco vezes, eles espalhariam pela região pequenos postes que delimitariam as áreas públicas que não poderiam ser exploradas por latifundiários estrangeiros, como o brasileiro Tranquilo Favero, dono da área que pode ser ocupada.

Mas o clima de tensão já se espalhou para outras áreas de fronteira. Na região de Ponta Porã, divisa com Pedro Juan Caballero, produtores brasileiro estão preocupados.

— A insegurança é total, não só por causa da ameaça dos sem-terra, mas pela falta de informações sobre a posição do governo — disse ontem o presidente do Sindicato Rural da região, Jean Pierre Martins.