Título: A 2º maior favela do país fica em Brasília
Autor:
Fonte: O Globo, 25/12/2011, O País, p. 4

Brasília sem esgoto, sem segurança e sem saúde. Ver a Lucia da Silva Cardoso, 49 anos, chora só de pensar na vida que levava antes de encontrar seu canto na segunda maior favela do Brasil. Dona Vera, cearense, mãe de dois filhos, diz que conheceu a felicidade há seis anos, quando um "grileiro desses" lhe cobrou R$ 5 mil para viver o sonho da casa própria na Área de Regularização de Interesse Social (Aris) Sol Nascente, no Distrito Federal, retrato fiel da exploração ilegal e indiscriminada de terras alheias na capital do país.

A maior favela do Distrito Federal - a cerca de 30 quilômetros do Palácio do Planalto - tem 56.483 moradores, em 15.737 domicílios. Só perde em população para a Rocinha, no Rio, com seus 69.161 habitantes, de acordo com o censo de 2010 do IBGE.

Gigantesco loteamento com 56,4 mil habitantes

Como nos outros 35 aglomerados subnormais - nomenclatura dada pelo governo para definir área de ocupação irregular e com ausência de serviços públicos - do DF, que somam 133.556.moradores, a Aris Sol Nascente é um gigantesco loteamento. Ali, poucos exploradores ganharam muito, vendendo terras da União ou se apossando de chácaras mal preservadas para enriquecer nas barbas do poder.

- Vi urna placa e achei um grileiro, que me vendeu esse pedaço. Não tinha nada aqui, só uma casinha e mato. Abençoado grileiro, que me tirou do aluguel - conta a diarista, emocionada, que só reclama do lixo e do esgoto a céu aberto, que junta ratos e baratas.

Ali, o abandono é a marca, e o teto, o consolo. Otacílio Souza Araújo, comerciante, 42 anos, é um dos pioneiros. Chegou em 2004, e só por duas vezes teve o grato prazer de encontrar os agentes do Programa Saúde da Família (PSF), braço preventivo de ações de saúde pública em todo o país. Se, para Vera, o sonho é a Sol Nascente, para Araújo, a favela é motivo de vergonha.

-"Isso aqui é ruim demais."

Só moro aqui porque não tenho outro lugar para onde ir. Estou aqui me escondendo da chuva - disse, sentado sobre o balcão de seu mercadinho vazio, minutos depois de limpar a lama acumulada na ruela onde vive e trabalha, depois do temporal da última sexta-feira.

No DF, segundo dados do Censo 2010, há cerca de 36 mil domicílios em aglomerados subnormais. Desse total, 34.470 possuem rede geral de distribuição de água, uma enormidade em comparação às grandes favelas do Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, 5.487 domicílios têm rede geral de esgoto ou pluvial, 7.211 têm fossa séptica, 23.703 têm outro tipo de esgotamento sanitário e 71 domicílios não têm banheiro ou sanitário.

o Distrito Federal tem o segundo pior percentual de domicílios precários com energia elétrica adequada (45,3%), atrás apenas de Roraima (15,8%). O IBGE enquadra na categoria adequado o domicílio com energia de companhia distribuidora ou medidor de uso exclusivo. Na Sol Nascente, Otacílio paga luz e água à empresa pública. Vera não paga nada e sobrevive das gambiarras.

O Censo de 2010 também confirmou um desgastado bordão de Brasília: a cidade das diferenças, dos contrastes. Centro rico, perifería pobre. As áreas semeadas pelas invasões, como Ceilândia, onde fica a Sol Nascente, e o chamado entorno - a borda do DF, onde Goiás e Brasília disputam para saber de quem é a culpa pela ausência de serviços públicos - concentram praticamente todas os domicílios em favelas: 97,7%.

É o segundo maior percentual entre as 20 maiores regiões metropolitanas com as maiores quantidades de domicílios em aglomerados subnormais do país. Perde apenas para Natal, que tem 100% dos domicílios em aglomerados subnormais em regiões metropolitanas.

Na Sol Nascente, de tão grande, existe a favela da favela, às margens do Córrego das Corujas, que quando chove mostra a dura face da miséria. A enxurrada varre o lixo e represa a água, que transborda para as casas construídas em área de risco e preservação ambienta!. Na ponte precária, portal de acesso à favela, uma Kombi desceu um barranco este ano e quase provocou uma tragédia.

"Estamos à mercê", resigna-se moradora

É lá que vive a professora Maria do Socorro Resende Lima,.44 anos, desempregada. Há 15 dias, o governo do DF notificou as famílias e prometeu removê-las. Só não informou o destino.

- Enquanto isso, a gente continua aqui. Não tem nem endereço para receber uma correspondência. Estamos à mercê - resigna-se Socorro, que diz que a coleta de lixo só passa depois do alagamento.

Segundo o IBGE, de 36.472 domicílios em aglomerados subnormais no Distrito Federal, em 19.557 o lixo é coletado diretamente pelo serviço de limpeza. Em 11.895, em caçamba de serviço de limpeza. Em 5.020, o IBGE classifica como "outras". No caso da Sol Nascente, pode ser nenhum.