Título: Lixo vira código em denúncias sobre armas
Autor: Araújo, Vera; Braga, Ronaldo
Fonte: O Globo, 16/11/2011, Rio, p. 12

Moradores usam estratégia para ajudar polícia, que já apreendeu 73 fuzis e 3 metralhadoras que podem derrubar helicóptero

A palavra "lixo" nas favelas da Rocinha, do Vidigal e da Chácara do Céu vem tendo dois sentidos desde a ocupação, no domingo: tanto significa detritos, como é um código que vem sendo usado por moradores, em suas denúncias à polícia, para indicar esconderijos de armas e drogas. Graças a essa ajuda fundamental, foi possível, em três dias de operações, apreender 129 armas - sendo 73 fuzis - e 350 quilos de drogas. Só ontem, foram 17 armas. Vale tudo para denunciar: bilhetinhos, ligações para o Disque-Denúncia ou mesmo a velha linguagem de sinais. Um morador chegou a apontar uma casa dizendo que havia muito lixo nela, quando, na realidade, o imóvel era usado para esconder armas.

Quadrilha também tinha coletes à prova de balas

As apreensões, a maioria feita pelo Bope, mostra o poderio bélico da quadrilha do traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, que chefiava a venda de drogas na Rocinha. Em três dias, três metralhadoras .30 - capazes de derrubar helicópteros - foram encontradas, além de 148 explosivos (bombas artesanais, granadas e rojões), 23.072 projéteis de vários calibres, oito lunetas para fuzil e 510 carregadores. Os bandidos também se preocupavam com a própria proteção: foram recolhidos 16 coletes à prova de bala. Também foram encontradas sete placas de cerâmica, que, dentro de coletes, são capazes de proteger o usuário de balas de fuzis.

As primeiras apreensões de ontem foram de nove fuzis calibre 7.62 e de uma carabina, na localidade da Roupa Suja, na Rocinha. As armas foram abandonadas pelos bandidos entre duas casas. Em seguida, no Laboriaux, dentro de um tonel enterrado a dois metros de profundidade, estavam escondidos dois fuzis - um deles com o símbolo de um coelho, apelido do traficante Anderson Rosa Mendonça - e cinco metralhadoras. Uma delas era uma .30, a terceira encontrada por lá desde a ocupação.

Por último, na Rua 3, também na Rocinha, a polícia encontrou uma refinaria de cocaína, totalizando duas desde ontem. Nela, foi achado um localizador, que, segundo o Bope, ajudaria os bandidos a chegarem até o imóvel, que fica numa área com muitos becos e vielas. Segundo a polícia, é a primeira vez que um instrumento desse tipo é encontrado numa favela.

Até agora, a polícia já apreendeu dois veículos e 150 motos roubados ou em situação irregular. O diretor do Departamento de Polícia da Capital, Ricardo Dominguez, disse que todo o material apreendido será levado para a 15ª DP (Gávea):

- Todas essas armas apreendidas serão inseridas num inquérito instaurado contra a quadrilha de Nem por tráfico de drogas e associação para o tráfico. A polícia vai tentar verificar a origem de todas elas. Queremos saber se vieram de outro país ou se são daqui mesmo.

Ao todo, nos três dias de ocupação, foram apreendidos 166 quilos de cocaína, 60 de pasta-base da droga, 127 de maconha, 135 pedras de crack, 38 comprimidos de ecstasy, 90 litros de ácido sulfúrico, 50 litros de éter, nove balanças de precisão, 62 máquinas caça-níqueis, 47 rádios, 23 baterias e 11 carregadores, além de 150 camisas da Polícia Civil, quatro pares de coturno e três uniformes de camuflagem. A polícia também descobriu três centrais clandestinas de TV a cabo.

Nos dois primeiros dias da Operação Choque de Paz - domingo e segunda-feira -, o Disque-Denúncia recebeu 308 ligações sobre as comunidades do Vidigal e da Rocinha. Até as 18h de ontem, o número já chegava a 635. Só ontem, foram 67. Somando os primeiros 15 dias de novembro, o Disque-Denúncia recebeu 695 denúncias relacionadas às duas favelas, 30 vezes mais do que no mesmo período em 2010, quando foram recebidas apenas 22. As informações podem ser repassadas ao Disque-Denúncia (2253-1177), à Polícia Militar (190) e ao Gabinete da chefe de Polícia Civil (2332-9915).

- Nós esperamos receber mais denúncias da população. A polícia não conhece tão bem quanto os moradores o que está acontecendo naquela região - explicou o coordenador do Disque-Denúncia, Zeca Borges.

Equipamento para clonar cartões é apreendido

No fim da tarde de ontem, uma jovem chegou a puxar pelo braço a capitã do Bope Marlisa Neves, para levá-la a um canto na Rocinha. Desconfiada, a oficial foi acompanhada de um colega armado de fuzil, achando no local indicado farto material usado para clonagem de cartões em caixas eletrônicos.

- A descoberta foi importante, pois isso indica que os bandidos da Rocinha também estavam atuando nesse tipo de crime. Sem a ajuda dos moradores, seria impossível fazer essas apreensões. Esta operação tem sido marcante. Até mesmo quando hasteei a bandeira do Bope, pensei que fossem vaiar, mas na verdade aplaudiram - disse Marlisa, emocionada.