Título: Desinformação, sujeira e caos
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 18/08/2009, Brasil, p. 8

Descaso com pacientes, faxineiros que nem entram nos quartos e falta de material, como álcool em gel e máscaras. Essa é a realidade das vítimas do vírus H1N1 no Hran

Sandreane acompanha uma amiga internada no Hran com suspeita de ter contraído a gripe suína: comprou álcool em gel e máscara por falta de material no hospital

Não é apenas na sala de espera da emergência que pessoas com influenza A (H1N1), conhecida como gripe suína, encontram problemas no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Do lado de dentro, quem está internado aponta diversas falhas no atendimento aos doentes. Quem já passou pela ala de internação reclama da falta de médicos e enfermeiros. E diz que até os funcionários da faxina evitam passar pelos quartos, com medo de pegar o novo vírus.

Pacientes e acompanhantes afirmam, ainda, que estão comprando álcool em gel e máscaras por conta própria porque, na internação, o hospital está racionando a distribuição dos itens. ¿A gente tem que fazer de tudo, porque não tem funcionário para fazer¿, reclama a empregada doméstica Sandreane Miranda de Oliveira, 28 anos. Ela acompanha a amiga Aparecida Alves Pereira, 26, também empregada doméstica, que deu entrada no Hran no fim de semana com suspeita de ter contraído o vírus H1N1 e foi encaminhada para a ala de isolamento. O quadro piorou ontem e ela passou a respirar com a ajuda de aparelhos.

Devido ao estado de saúde da paciente, o médico que cuida de Aparecida receitou o antiviral Tamiflu, usado no tratamento da nova gripe. Mas coube à amiga dela a responsabilidade de dar a medicação na hora correta ¿ um comprimido a cada 12 horas. ¿A enfermeira chegou e disse que era para dar dois por dia e ainda falou que, se o medicamento acabasse antes da hora, não haveria mais¿, descreve Sandreane, pouco depois de retornar da farmácia, onde comprou um litro de álcool em gel e uma caixa de máscaras descartáveis.

A vigilante Maria Tereza da Trindade, 32 anos, recebeu alta ontem do Hran, onde estava internada desde a terça-feira passada por causa de uma pneumonia. Ela também ficou em uma área de isolamento, no sexto andar do hospital. Diz que as visitas de médicos e enfermeiras, embora não fossem frequentes, nem eram o principal problema. ¿O pessoal da limpeza nem entrava no quarto por medo de ficar perto da gente¿, lembra.

Tereza afirma que era a irmã que fazia a troca dos lençóis e juntava o lixo dos outros três pacientes do quarto para colocar no corredor, do lado de fora, onde era recolhido pelos servidores da ala. Nem mesmo as refeições eram entregues dentro do quarto, segundo a vigilante: ¿Eram colocadas em um balcão e tínhamos que levantar para pegar. Os restos de comida ficavam mais de um dia aqui dentro¿. A assessoria de imprensa do Hran informou que não comentaria o assunto.

Desculpas Os funcionários se defendem, alegando que, com o aumento da procura por atendimento, eles estão sobrecarregados. ¿O que a gente está testemunhando é uma incapacidade da rede em responder ao aumento da demanda e isso é muito grave¿, afirma o promotor Jairo Bisol, da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus) do Ministério Público do Distrito Federal. Ele defende que, temporariamente, alguns hospitais públicos sejam usados somente para atender casos de gripe.

A Secretaria de Saúde, porém, informa que está seguindo recomendações do Ministério da Saúde, que orienta o atendimento descentralizado. E nega falta de materiais como álcool em gel e máscaras nos hospitais da rede pública. O órgão argumenta que encaminhou 49 mil máscaras para o Hran este mês e que tem um milhão de unidades no estoque para suprir a demanda.

Mortes Os casos da nova gripe têm causado sobrecarga no atendimento em outros estados. E o número de mortes aumenta a cada dia. A Secretaria de Saúde do Pará confirmou ontem o primeiro óbito pela doença no estado. A vítima é uma mulher de 42 anos, que tinha asma e pneumopatia crônica. Ela morreu ontem, depois de passar 10 dias internada em um hospital particular. Mais duas mortes foram confirmadas ontem, uma no Rio de Janeiro e outra em Santa Catarina.

Até o fechamento desta edição, as secretarias estaduais e municipais de Saúde confirmavam pelo menos 341 óbitos por causa da nova gripe. O estado com mais vítimas é São Paulo (134), seguido por Paraná (79) e Rio Grande do Sul (70).

Reforço

Para aliviar a pressão causada por excesso de demanda, os centros de saúde devem receber reforço no quadro de pessoal. A Secretaria de Segurança Pública vai ceder 18 médicos e 12 técnicos de enfermagem das polícias Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros para trabalhar, a partir do dia 20, em Taguatinga, Ceilândia, Samambaia e Plano Piloto. A ideia é que esses profissionais fiquem focados nos atendimentos aos casos suspeitos de gripe suína.

Protocolo

No início da pandemia de gripe suína, quando não havia transmissão sustentada no Brasil e os pacientes eram infectados no exterior, o Ministério da Saúde orientou as secretarias estaduais a criar centros de referência onde seriam tratados os casos de infecção pela nova doença. Em Brasília, foi escolhido o Hran. A medida era preventiva, para centralizar o atendimento e retardar o avanço da enfermidade. Mas após a constatação de que o vírus circula no país, o ministério mudou o protocolo e recomendou a descentralização dos atendimentos.

Papuda está em estado de alerta Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press - 18/2/05 Os presos que estiverem gripados ficarão isolados dos demais detentos na Papuda: preocupação com o vírus

Após três presos apresentarem sintomas da nova gripe, funcionários do Complexo Penitenciário da Papuda dizem temer um surto no local. Sob a condição de não se identificar, eles afirmam que, embora haja máscaras para os profissionais de saúde que trabalham no local, nem todos os presídios receberam álcool em gel, antisséptico usado para higienizar as mãos ¿ uma das recomendações do Ministério da Saúde para evitar o contato com o vírus H1N1.

¿Na entrada do presídio, praticamente não há o material. Cerca de 800 pessoas passam por lá nas quartas e quintas-feiras, para a visita aos detentos¿, afirma uma servidora. Ela diz que a direção do presídio tem orientado os familiares com sintomas de gripe a não irem ao local. ¿Mas se a recomendação não for cumprida, não há como impedir que a pessoa entre¿, afirma outra funcionária. O complexo da Papuda tem cerca de 7,3 mil detentos, que ficam aglomerados em celas com até 14 pessoas.

Isolamento Dos três presos que estão com sinais da doença, dois são do Centro de Progressão Penitenciária ¿ que fica no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) ¿ e outro encontra-se no complexo penitenciário. Eles estão em isolamento. Na semana passada, os funcionários do presídio foram orientados a tratar os casos de gripe de acordo com o protocolo do Ministério da Saúde: se houver três casos na mesma cela, todos os detentos desse espaço ficarão isolados dos demais. Se o estado de saúde se agravar, os pacientes serão levados ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

O diretor-geral da Subsecretaria do Sistema Penitenciário, Adiel Teófilo, afirmou que os servidores receberam orientações para lidar com os casos suspeitos da nova gripe e também capacitação para medidas de prevenção. Quanto ao álcool em gel, recomenda alternativas em alas onde não houver o material. ¿Há infectologistas que dizem que, lavando as mãos com água e sabão, obtêm-se o mesmo efeito.¿ O diretor afirmou, ainda, que nenhum caso da nova gripe foi confirmado no local. (DM)