Título: Merenda escolar é desviada de Norte a Sul
Autor: Remígio, Marcelo
Fonte: O Globo, 24/07/2011, O País, p. 13

Pelo menos R$35 milhões foram para o ralo nos últimos três anos, segundo o Tribunal de Contas da União

Pelo menos 64 municípios brasileiros tropeçaram no uso de verbas federais para a merenda escolar e foram reprovados na prova de prestação de contas. De janeiro de 2008 a junho deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou o mau uso de cerca de R$35 milhões - valores atualizados - em recursos repassados pela União. A quantia deveria ter sido empregada na compra de alimentos para escolas públicas municipais, mas se perderam no caminho. O dinheiro foi sugado pelo ralo de licitações fraudulentas ou, em muitos casos, nem chegou a ter o uso comprovado, desaparecendo dos orçamentos.

As inspeções do TCU também encontraram merenda de má qualidade, que nos contratos constavam como de primeira, e lotes entregues com quantidades inferiores às indicadas nos processos de licitação. Os estados do Nordeste somam o maior número de municípios envolvidos em fraudes com a merenda escolar, mas o TCU e o Ministério da Educação identificaram irregularidades em cidades de diversos outros estados

Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira, que estuda administração pública desde 1975, as fraudes se proliferam por causa da certeza de impunidade que muitos prefeitos e gestores têm. De acordo com o especialista, a fiscalização ainda é falha e não acompanha todas as etapas do processo de compra: licitação, contratação dos fornecedores vencedores, entrega dos produtos, pagamento e prestação de contas. Ele ressalta que, além do TCU, a Controladoria Geral da União (CGU) faz fiscalizações nos municípios, mas o processo, chamado por muitos prefeitos de "roleta-russa", só chega às cidades sorteadas.

- Hoje, a má aplicação dos recursos públicos é um dos problemas mais sérios do Estado brasileiro. Por trás dessas ações está a cultura da impunidade, a sensação dos gestores de que jamais serão alcançados. E quando são punidos, as medidas adotadas pelo TCU são condenações muitas vezes inócuas. A área de educação é uma das mais sensíveis, por isso ocorrem muitas fraudes - afirma.

Ainda de acordo com Matias Pereira, o caminho para inibir fraudes é a participação popular na fiscalização e na cobrança de punições para envolvidos em fraudes. O especialista chama a atenção para os conselhos fiscalizadores que muitas vezes têm ligação com políticos.

- Há cidades onde o prefeito é quem indica os membros e detém o controle dos conselhos - ressalta o professor.

O TCU chegou às 64 cidades após levantamento feito pelo Ministério da Educação. De acordo com o MEC, a análise das prestações de contas encontrou irregularidades maquiadas por notas fiscais frias e valores superfaturados. Prefeitos e gestores de recursos dos municípios onde foram encontrados desvios de verba foram condenados pelo TCU a devolver valores atualizados, equivalentes aos das verbas, e obrigados a pagar multas de R$2,5 mil a R$100 mil, podendo recorrer.

No Pará, desvio de verbas e escolas precárias

O Tribunal de Contas da União encontrou irregularidades na prestação de contas em três municípios do Pará: São Sebastião da Boa Vista, Cametá e Eldorado dos Carajás. Além do mau uso da verba para a merenda escolar, parte dos prédios de escolas municipais no estado ainda apresenta condições precárias, como os da rede municipal da zona rural de Barcarena.

Em Eldorado dos Carajás, o TCU determinou a devolução de R$1.759.082 aos cofres do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). O ex-prefeito Domiciano Bezerra Soares não comprovou a aplicação da verba no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o tribunal apontou documentos falsos, compras sem licitação e falta de distribuição escolar.

Já em Cametá e São Sebastião da Boa Vista, gestores não comprovaram o uso de verbas de R$1,8 milhão e R$500,2 mil, respectivamente.