Título: O custo da reforma
Autor: Gomes, Fábio
Fonte: O Globo, 23/07/2011, Opinião, p. 7

A pesar do silêncio das massas, nosso sistema político é abalizado na representação. Preservá-lo de forma coerente e segura é alimentar a esperança por uma democracia mais madura e participativa. Por isso, enquanto se aguarda o desabrochar do interesse e da participação mais efetiva do cidadão, há que se valorizar o atributo do sistema atual. Fora isso, toda e qualquer proposta de alteração desse modelo estará sujeita a insatisfações.

A reforma política em curso no Congresso é exemplar. Na proposta do distritão, por exemplo, as vagas para a Câmara dos Deputados seriam disputadas pelos mais votados, pondo fim ao critério do quociente eleitoral. O sistema proporcional, com variações de métodos, também é aplicado em outros países. Apesar da discrepância - como a eleição daqueles candidatos beneficiados por puxadores de votos -, o sistema possibilita uma formação heterogênea no Parlamento.

Caso a mudança seja aprovada, as campanhas passariam a ser personalistas. Coligações não fariam mais sentido e a esperança dos menos abastados de votos se anularia. A eleição passaria ser uma disputa de "cachorro grande". Apesar das possibilidades de alteração de comportamento de candidatos e partidos, é inevitável fazer uma comparação com a última eleição. O que teria ocorrido se o distritão tivesse sido aplicado em 2010? Em primeira análise, haveria uma alteração em 48 cadeiras, ou 9,4% da Câmara. No Sudeste, por exemplo, seriam substituídas 24 das 155 cadeiras.

Um segundo aspecto refere-se à mudança da composição partidária: PSDB (12 cadeiras), PMDB (10), DEM (7) e PT (4). Quem mais perderia: PV (6), PDT (5), PR (5) e PSB (5). Os partidos de oposição que fizeram 111 cadeiras em 2010 passariam a ocupar 131 vagas, um crescimento de 18%. Os independentes, que obtiveram 95 vagas, cairiam para 80. Já os partidos da base passariam de 307 para 302. Com o distritão, o Congresso ficaria menos "independente" e mais opositor. No entanto, a ampla maioria do governo não sofreria grande impacto.

Outra questão importante é a distribuição geográfica das cadeiras. Segmentados os votos dos eleitos em 2010, considerando 50% ou mais dos votos nas regiões metropolitanas ou capitais, 39,6% dos eleitos são metropolitanos. Com o distritão, esse percentual alcançaria 39%, não mudando o cenário. Na verdade, em nenhuma região do país a alteração seria significativa. Os candidatos da região metropolitana do Nordeste são representados por 25% dos deputados; como o distritão, seriam 24%. No Sudeste, essa proporção seria de 54%, mantendo o mesmo índice caso o novo sistema já estivesse em vigor.

Considerada a simulação, os impactos quanto ao gênero, idade ou região não seriam significativos. Apenas variações partidárias/ideológicas fariam alguma diferença. Uma coisa é certa, o distritão facilitaria a compreensão das regras para eleição de deputado. Resta saber se a mudança contribuiria para uma maior aproximação do eleitor com o Congresso. Afinal, o custo de uma reforma política, acima de qualquer outro interesse, deve ser justificado pelo benefício público.

FÁBIO GOMES é sociólogo.