Título: Por cargos, PMDB quer pôr fim a sigilo em obras
Autor: Vasconcelos, Adriana; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 22/06/2011, Economia, p. 23

Sarney e Renan voltam a criticar regime de licitações para Copa, mas governo não admite mudança no texto

Adriana Vasconcelos; Luiza Damé; Regina Alvarez

BRASÍLIA. A insatisfação do PMDB com o atraso em nomeações e na liberação de emendas ao Orçamento levou a cúpula do partido no Senado - o presidente da Casa, José Sarney (AP), e o líder Renan Calheiros (AL) - a reforçar, ontem, as críticas ao sigilo nos orçamentos das obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, possibilidade aberta com o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). O Palácio do Planalto, porém, manteve-se irredutível e informou que não concorda com qualquer alteração no texto da Medida Provisória 527, que cria o sistema.

Pelo regime, quando o governo julgar conveniente, o preço estimado de uma obra poderá ser omitido de um edital, sendo revelado apenas quando for conhecido o vencedor da licitação. As informações estarão disponíveis somente aos órgãos de controle interno e externo. Além dessa possibilidade, disposta no Artigo 6, o de número 15 do RDC permite que uma obra tenha sigilo total se for considerada de segurança nacional.

- As pessoas não enxergam claramente a necessidade desse sigilo. Esse sigilo é inconcebível - disse Renan.

Sarney, que na véspera já havia se posicionado contra o sigilo, pediu ontem explicações ao governo:

- Eu não entendo como se pode ter sigilo em uma obra e em outra obra pública não ter sigilo. Preciso que sejam explicados os motivos.

Jucá tenta contemporizar, mas Ideli é taxativa

Afirmando que sua posição não é uma afronta à presidente Dilma Rousseff e que se trata apenas de uma "divergência de ideia", Sarney acrescentou:

- Naturalmente, se o governo mandou nesses termos, deve ter algum motivo. Agora, cada um de nós tem a sua opinião. Não vejo nenhuma diferença entre obras da Copa e qualquer outra obra pública.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) admitiu a possibilidade de ajuste no texto da MP, caso haja tempo hábil. O problema é que uma modificação levaria a matéria de volta à Câmara - na qual a votação só será concluída, com a apreciação de cinco destaques, em 28 de junho. A MP caduca no dia 15. A última sessão prevista antes do recesso é no dia 14.

- Vamos esperar o projeto chegar ao Senado, mas, se tivermos prazo, poderemos ajustar a matéria, mudar alguma coisa no texto aprovado pela Câmara, não há problema. Se precisar modificar, vamos modificar - disse Jucá.

A contemporização de Jucá, porém, não encontra respaldo no Palácio do Planalto. Perguntada se poderia haver negociação do texto, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, respondeu:

- Não, até porque estamos com muito pouco tempo.

Ideli defendeu o projeto:

- O que nós temos é que, no processo de licitação, você não divulga o valor, justamente para que não haja o acordo das empreiteiras e se consiga valor menor, sem conluio. Tão logo a licitação esteja concluída, tudo será tornado público. Durante o processo da licitação, os órgãos de controle vão acompanhar. Aberta a licitação, escolhido o melhor preço, a partir daí tudo será público, será monitorado pelo portal da transparência.

- O governo tem uma posição, acha que isso (o sigilo) é melhor para conseguir melhores propostas, economizar recursos públicos e inibir eventuais combinações entre as empresas. Isso existe em vários países, mas é claro que o Congresso é soberano para decidir - reforçou a ministra do Planejamento, Miriam Belchior.

Ideli disse que conversou ontem com Sarney e Renan. Segundo ela, o presidente do Senado teria se convencido que o governo está com a razão.

- A conversa foi absolutamente esclarecedora. Eu não acredito que nós tenhamos problemas da parte dos senadores, até por conta das conversas com diversos líderes - afirmou.

PMDB pressiona o governo para aceitar pedidos

A campanha do PMDB contra o sigilo é uma forma de pressionar o governo a aceitar reivindicações. Isso foi tema de uma reunião de Ideli com líderes do partido no Senado e na Câmara e assunto principal de um jantar com Sarney. A lista é ampla: nomes para cerca de 50 cargos, liberação de emendas e o recuo de Dilma no projeto que acaba com o sigilo eterno de documentos oficiais.

- O PMDB lembrou que tem pendências. Ideli sabe. Mas o tempo é do governo - disse Renan.

- Vamos prevenir o governo dessas votações (PEC 300, Emenda 29, MP 527) para que não se repita o que aconteceu no Código Florestal (...) Temos de ver como o governo vai descascar esse abacaxi. Vamos falar com a ministra Ideli para alertar a presidente Dilma - disse o líder na Câmara, Henrique Alves, antes da reunião.

Há ainda a insatisfação do presidente do Senado com a nomeação do ex-deputado Flávio Dino, desafeto da família Sarney no Maranhão, para a presidência da Embratur. Rumores também contribuem, como a informação, não confirmada, da escolha do senador Eduardo Braga (PMDB-AM) para a liderança do governo no Congresso, no lugar do deputado Mendes Ribeiro (PMDB-AP), o que opôs as bancadas peemedebistas nas duas Casas.

Na tarde de ontem, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, reuniu-se com o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Benjamin Zymler, a quem garantiu que todos os editais federais das obras da Copa e das Olimpíadas serão submetidos ao órgão. Isso incluirá os que estiverem sob o RDC.

Gleisi também se reuniu com os ministros do Esporte, Orlando Silva, e da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, e os orientou a redobrar os esforços para a atualização do portal da transparência com informações dos eventos.

Miriam Belchior enfatizou que o RDC foi discutido com o TCU para garantir a lisura do processo e ressaltou que a Lei 8.666, das licitações na administração pública, é antiga e precisa de mudanças. O RDC ainda prevê o regime de contratação integrada, que dispensa a apresentação de projeto básico. O vencedor da licitação ficará encarregado de todas as etapas do projeto.

COLABORARAM: Regina Alvarez e Cristiane Jungblut