Título: Perguntas à Alemanha
Autor: Guimarães, Leonam dos Santos
Fonte: O Globo, 06/06/2011, Opinião, p. 7

O abandono do programa nuclear por parte da Alemanha foi determinado por legislação de 2001 e decorre de uma questão política interna do país, na qual o Partido Verde tem um papel de destaque.

Na verdade, a chanceler Merkel, numa demonstração de grande coragem política, conseguiu alterar, em 2010, a legislação original de 2001, prorrogando o prazo de 2022 em dez anos. Essa mudança deveu-se principalmente às dificuldades que a Alemanha enfrenta para cumprir simultaneamente essa decisão e as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, bem como manter uma razoável segurança energética nacional, minimizando importações de eletricidade dos países vizinhos e de combustíveis fósseis, em especial gás natural da Rússia.

Entretanto, imediatamente após o acidente de Fukushima, ocorrido em 15 de março passado, essa coragem se desvaneceu: ela voltou atrás, a princípio provisoriamente, na prorrogação do prazo que já havia sido decidido pelo Parlamento por sua proposição, e pouco depois determinou o desligamento de oito das mais antigas das 17 usinas alemães.

Pode-se inferir que essa brusca mudança de posição certamente teve como principal motivação as eleições legislativas que ocorreriam logo em seguida, no mês de abril. Entretanto, as eleições ocorreram e mesmo assim o governo foi derrotado, particularmente pelo Partido Verde.

Mais recentemente ela anunciou, de forma bastante "midiatizada", a decisão definitiva de não prorrogar o prazo de 2022. Tal decisão, portanto, não é nova, mas foi divulgada como se fosse, certamente com o objetivo político de reduzir os efeitos da derrota eleitoral sofrida pelo governo.

É no mínimo curioso o fato de o governo alemão resolver "requentar" o abandono das usinas nucleares do país até 2022, mas ao mesmo tempo continuar permitindo a presença de mais de uma centena de armas nucleares americanas no seu território, manter aviões de combate de sua Força Aérea, sob comando da Otan, prontos para embarcar e lançar tais armas, e ainda participar ativamente da modernização dessas armas, cujas versões mais precisas e letais serão instaladas em seu território a partir de 2017.

Será que o governo e a sociedade alemã acreditam que os riscos associados às armas nucleares é menor do que aqueles associados às usinas de geração elétrica? Por que o Partido Verde alemão se opõe tão veementemente às usinas nucleares e aceita a presença de armas nucleares estrangeiras no território de seu país? Por que o governo de coalizão liderado pela chanceler Merkel age de forma tão incisiva no sentido do abandono da geração elétrica nuclear e é aliado na dissuasão militar americana com base no terror das armas nucleares? Estas são perguntas que clamam por resposta.

LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES é doutor em engenharia e membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)