Título: Bombeiros não recuam
Autor: Goulart, Gustavo; Borges, Waleska
Fonte: O Globo, 10/06/2011, Rio, p. 15

Estado antecipa 5,58% de reajuste e cria secretaria, mas manifestantes querem anistia

O governador Sérgio Cabral tentou ontem apagar o incêndio provocado pela invasão do Quartel Central do Corpo de Bombeiros, na sexta-feira passada, oferecendo uma antecipação de cinco meses de aumento de 5,58% à categoria, assim como a PMs, policiais civis e agentes penitenciários, além de criar a Secretaria de Defesa Civil. Com essa medida, a corporação deixará de ser subordinada à Secretaria de Saúde, passando para o novo órgão, que terá à frente o coronel Sérgio Simões, comandante dos bombeiros. A decisão, no entanto, não conseguiu acalmar os manifestantes. Representante dos amotinados presos, o cabo Laércio Soares disse que a categoria recusa a medida e que os militares não vão deixar as escadarias da Alerj nem parar com os protestos:

¿ O movimento não foi informado pelo governo da decisão, mas, antes de discutir a antecipação do reajuste salarial, queremos a libertação dos bombeiros presos, assim como o cancelamento das punições e das sanções. Esta é a prioridade.

O presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, Vanderlei Ribeiro, também criticou o governo. Segundo ele, a antecipação do reajuste e a criação da nova secretaria fazem parte de uma estratégia do estado para enfraquecer o movimento dos bombeiros:

¿ O governo dá status de secretário a um coronel bombeiro, e os comandantes ficam enobrecidos. Isso mexe com o ego deles e os faz recuar. Que comandante do Corpo de Bombeiros vai querer deixar de ganhar pela função gratificada? Nenhum. São cerca de R$ 8 mil, fora o salário. Quanto ao reajuste oferecido, ele é irrisório. Um piso abaixo de R$ 2.900 para os praças não é aceitável.

Durante um evento em São Paulo, o governador Sérgio Cabral disse ao site G-1 que a decisão sobre a libertação dos 439 bombeiros não cabe ao governo do estado:

¿ Cabe à Justiça Militar decidir sobre isso: se eles permanecem presos ou se eles não permanecem presos. Nós estamos cuidando, vamos cuidar depois do processo disciplinar. O Executivo estadual não tem o que fazer, nem libertá-los, nem mantê-los presos. Isso é uma questão da Justiça.

Uma mensagem antecipando de dezembro para julho os cinco meses de reajustes salariais para toda a categoria de segurança pública foi enviada ontem para a Alerj. Segundo o governo, o impacto no caixa será de R$ 323 milhões. O estado anunciou que serão contemplados todos os 16.202 bombeiros da ativa, além de 39.775 PMs, 9.254 policiais civis e 4.329 agentes penitenciários. Segundo nota do estado, o total de beneficiados chega a 127.276 (contando 69.560 servidores ativos, 32.023 aposentados e 25.693 pensionistas).

Secretário promete pedir reajuste maior

? O coronel Sérgio Simões disse que vai continuar negociando um aumento salarial mais significativo para a categoria, mas frisou que o reajuste é uma mostra de que há vontade de se dar uma solução ao impasse criado pelo movimento dos bombeiros. Ontem, depois de assumir o cargo de secretário de Defesa Civil, Simões disse achar que "o governo está dando uma demonstração de prestígio muito grande ao Corpo de Bombeiros".

¿ Os percentuais de antecipação do reajuste naturalmente são os que podem ser concedidos ¿ comentou. ¿ O fato de eu ter o status de secretário me dá uma facilidade de interlocução maior com o governador para defender os bombeiros.

Segundo Simões, o reajuste representa mais R$ 78 para um soldado solteiro e sem filhos, com pouco tempo na corporação. Antes da antecipação do reajuste, o militar nessas condições receberia R$ 1.187. Agora, o piso subirá para R$ 1.265. Ele também falou sobre os 439 bombeiros presos após a invasão do Quartel Central, sexta-feira passada.

- São meus companheiros de farda e, evidentemente, já os visitei. Agora há pouco, estive reunido com os comandantes dos batalhões onde eles estão lotados. Infelizmente, a competência pelo andamento desse rito legal é do Poder Judiciário. Espero o quanto antes que esse procedimento se dê para que possamos ter uma definição clara. Nenhum deles recebeu punição disciplinar. Eles são reconhecidamente bons profissionais e claro que estão fazendo falta. Mas a corporação tem meios de suprir a ausência deles por um tempo ¿ comentou Simões, que já substituiu comandantes de 22 quartéis.

O novo secretário está encontrando dificuldades para saber com quem conversar sobre as reivindicações da categoria. Por um lado, os porta-vozes do movimento disseram que nenhuma entidade de classe está autorizada a negociar por eles. Por outro, Vanderlei Ribeiro, que integra a recém- criada Frente Unificada das Entidades de Classe da Segurança Pública, afirmou que as associações vão continuar negociando com as autoridades estaduais. Ribeiro acusou o governo de fazer uso político de alguns porta-vozes do movimento.

¿ Essa posição de que as entidades de classe não podem negociar é de uma meia dúzia de equivocados, que estão sendo usados politicamente, provavelmente pelo governo estadual, para provocar um racha no movimento. Não podemos ficar submissos a eles (os porta-vozes). Nós, que representamos as entidades de classe da segurança pública, estamos interferindo politicamente para soltar os bombeiros. A Frente Unificada das Entidades de Classe da Segurança Pública tem, sim, legitimidade para negociar ¿ afirmou.

Ontem também, o defensor público Luís Felipe Drummond disse que ia se reunir com seus colegas para discutir os recursos a serem apresentados à Justiça ¿ que anteontem negou liberdade para os bombeiros presos. Drummond adiantou, porém, que poderá ser pedido um novo habeas corpus.

De manhã, em frente à Alerj, portavozes do movimento afirmaram que não se sentiram representados na reunião dos integrantes da Frente Unificada das Entidades de Classe da Segurança Pública com o coronel Sérgio Simões, na quinta-feira. No encontro, os representantes da entidade propuseram um piso de R$ 2.900 para bombeiros e policiais militares. O cabo Laércio Soares, do 2 o- G-MAR (Barra), frisou que, antes da discussão salarial, a prioridade é a anistia dos bombeiros.

¿ Nem se o governo dissesse que vai pagar R$ 5 mil encerraríamos o movimento. Os bombeiros vão continuar dormindo na Alerj, até que nossos heróis presos se livrem da prisão ou de qualquer punição ¿ disse Soares.

Policiais civis formalizam hoje, numa assembleia em frente à Alerj, a participação da categoria no movimento dos bombeiros. O Sindicato dos Policiais Civis já decidiram que vão integrar a Frente Unificada.