Título: O açodamento não é bom conselheiro
Autor: Antonelli, Leonardo Pietro
Fonte: O Globo, 02/06/2011, Opinião, p. 7

O noticiário repercute os debates no Congresso a respeito da multiplicação do patrimônio do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, como decorrência da prestação de serviços de consultoria depois de ter exercido, no governo Lula, o cargo de ministro da Fazenda. Não há ilicitude alguma na prestação de serviços de consultoria econômico-financeira por ex-integrantes de governos, e o ministro Palocci está longe de ter sido o pioneiro nesse tipo de atividade. Na verdade, o que não se pode admitir, por parte daqueles que de algum modo conviveram intimamente com a máquina administrativa, em qualquer de suas esferas, é o tráfico de influência, ou o repasse de informações privilegiadas, capazes de propiciar vantagens ao arrepio da ética e da livre concorrência.

A ilação a respeito de possível favorecimento da incorporadora WTorre, uma das clientes da empresa de Palocci, no tocante a recebimento de restituição de tributos atrasados, não se justifica. O que fez a Receita, no episódio, nada mais foi do que cumprir uma ordem judicial, emanada de mandado de segurança em curso na Justiça Federal. Quanto à doação, pela empresa, de verba para a campanha eleitoral de Dilma Rousseff (e, aliás, também para outros políticos, como José Serra e Geraldo Alckmin, então candidatos a presidente da República e governador de São Paulo, respectivamente), tampouco tem de inconfessável. Esta é a regra vigente no país: a lei 9.504/97, que regula as eleições, permite, em seu artigo 81, doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, desde que limitadas a dois por cento do faturamento bruto no ano anterior. E essas doações são devidamente comunicadas à Justiça Eleitoral pelos respectivos beneficiários. Tudo muito claro. O "crime" de Palocci, portanto, é apenas a evolução patrimonial. O acúmulo de patrimônio do empresário Palocci é justificável, ao menos à luz de uma análise isenta de sectarismos.

Por outro lado, ao que se sabe, toda a evolução patrimonial do ministro e de sua empresa foi devidamente informada - passo a passo, item por item - à Receita Federal, que tomou ciência da origem das receitas, dos gastos, dos bens e direitos adquiridos (aliás, do ponto de vista da transparência, é significativo que os bens imóveis tenham sido registrados em nome da própria empresa, e não em nome de "laranjas"). Ora, a Constituição, que consagra o estado democrático de direito, assegura a todos os cidadãos, de um lado, o livre exercício da atividade econômica (artigos 1º, inciso IV, e 170 ), e, do outro, a inviolabilidade de correspondência, dados e comunicações (artigo 5º, XII). É neste contexto que se insere o direito ao sigilo contratual das pessoas jurídicas que buscaram assessoria junto à empresa do ministro Palocci. Aliás, inexiste razão para que a chancela constitucional da garantia de sigilo da fonte especificamente voltada para a atividade jornalística (artigo 5º, XIV) não seja aplicável, também, guardadas as devidas proporções, à cláusula de confidencialidade rotineiramente inserida nos contratos de consultoria.

O ministro Palocci foi bem-sucedido em sua empreitada empresarial, declarou receitas e cumpriu obrigações tributárias, tudo às claras, como era seu dever. Todavia, se ainda assim pairam dúvidas legítimas sobre a licitude de sua conduta, que sejam tomadas as medidas cabíveis, preservando-se, porém, até a decisão final, o sigilo das empresas envolvidas, sob pena de irreversíveis constrangimentos, em flagrante ofensa aos direitos e garantias fundamentais previstos em nossa Carta Magna. O açodamento não é bom conselheiro.

LEONARDO PIETRO ANTONELLI é vice-diretor da Escola Judiciária do TSE.