Título: Ainda à espera do Congresso
Autor: Vasconcelos, Adriana ; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 07/05/2011, O País, p. 3

STF FAZ HISTÓRIA

Decisão do Supremo de reconhecer união homossexual reabre debate de projetos

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo deverá forçar o Congresso a retomar o debate de projetos que podem ampliar os direitos dos homossexuais no país. No Senado, a expectativa é que a proposta que considera crime a homofobia - desarquivado em fevereiro pela senadora Marta Suplicy (PT-SP) - passe a tramitar em regime de urgência. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) decidiu propor um requerimento nesse sentido.

- Agora, precisamos dar novos passos, e creio que um dos mais importantes é requerer urgência para o projeto que criminaliza a prática da homofobia - defendeu Vanessa.

Relatora do projeto na Comissão de Direitos Humanos(CDR), Marta Suplicy disse estar confiante de que a decisão do Supremo possa reduzir no Legislativo às resistências à proposta de criminalizar a homofobia. Para facilitar a aprovação da proposta, ela apresentou uma emenda que assegura a liberdade de religiosos de defenderem suas posições contrárias à união homoafetiva em templos ou igrejas, sem correr o risco de serem enquadrados na lei.

- O Congresso tem se apequenado frente a temas polêmicos. Por isso, o ministro Cesar Peluso (presidente do STF) deu um puxão de orelha no Congresso durante a leitura de seu voto - disse a petista.

Na Câmara, os projetos que tratam dos direitos dos homossexuais têm enfrentado grande resistência da bancada evangélica. Um dos mais antigos disciplina a união estável entre pessoas do mesmo sexo e foi apresentado por Marta em 1995. A proposta entrou na pauta da Casa em 2001, mas acabou retirada em face de acordo dos líderes. Em 2007, o então deputado Clodovil Hernandes apresentou projeto sobre o contrato civil de união homoafetiva, que está parado até hoje na Comissão de Seguridade Social.

Em 2009, um grupo de 12 deputados apresentou proposta parecida, sugerindo que os dispositivos do Código Civil que regem a união estável entre homens e mulheres também fossem aplicados aos casais gays. A matéria também está parada na Comissão de Seguridade Social.

Se depender da bancada evangélica, nenhuma das propostas terá caminho fácil. O Pastor Eurico (PSB-PE) ameaça apresentar emenda constitucional para tentar reverter a decisão do STF. Já o Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) espera conseguir fazer um plebiscito para anular o resultado do julgamento. Ele acredita que, se a população tiver a chance de se manifestar, o resultado será diferente:

- Foi o maior golpe contra a família brasileira em todos os tempos.

Segundo juristas, a falta de legislação federal não permite ainda casamentos em cartórios de registro civil entre pessoas do mesmo sexo. Embora o STF tenha reconhecido a existência de união estável de homossexuais, os próprios ministros observaram anteontem a necessidade de uma lei que garanta a casais gays os direitos civis de casais heterossexuais. Por enquanto, gays e lésbicas podem até registrar em cartório uma escritura declaratória de união civil, como já acontecia, mas não há nada que obrigue cartórios a emitir certidões de casamento.

A principal mudança é que os direitos reconhecidos em contratos já firmados em cartórios ganharam o respaldo jurídico no Supremo. Ainda assim, dependerá de briga na Justiça:

- É o começo de uma solução, mas o Judiciário não substitui o Legislativo, apenas reconhece a existência de uma situação de fato, que acarreta efeitos jurídicos semelhantes ao casamento - diz o jurista Dalmo Dallari.

O presidente da Associação dos Notários e Registradores do Rio, Renaldo Bussiere, reforça a tese de que mudanças efetivas só acontecem com a promulgação de uma lei:

- Hoje, com uma escritura de união estável, homens e mulheres podem colocar os companheiros, homossexuais ou não, como beneficiários em planos de saúde, no INSS e até como dependentes do Imposto de Renda. Essa declaração pode até estabelecer regime de bens. A mudança é que esses termos podiam ser contestados, e agora ganharam respaldo no STF.

COLABOROU: Catarina Alencastro