Título: ONU abandona Trípoli
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Fonte: O Globo, 02/05/2011, O Mundo, p. 25

Escritórios e embaixadas são atacados em retaliação à morte de filho de Kadafi

NO ALTO, a casa da família de Kadafi, destruída no bombardeio de sábado; à esquerda, um manifestante pró-governo carrega a foto de Saif al-Arab, o filho caçula do ditador morto no ataque. À direita, na imagem da TV líbia, um religioso muçulmano é visto ao lado de um dos corpos de adulto apresentados pela emissora

TRÍPOLI

As Nações Unidas anunciaram ontem que estão retirando da capital da Líbia todos os seus funcionários internacionais, depois que seus prédios e os de algumas embaixadas viraram alvos de grupos ligados a Muamar Kadafi. Os ataques teriam sido uma resposta à suposta morte do filho caçula do ditador, Saif al-Arab, e de três de seus netos num bombardeio de forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), na madrugada de sábado.

- A ONU está se preparando para abandonar Trípoli - anunciou Stephanie Bunker, porta-voz da Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas. - Aparentemente houve distúrbios em Trípoli e eles (os funcionários internacionais da ONU na cidade) decidiram partir.

A porta-voz contou que uma multidão de manifestantes pró-governo invadiu diversos escritórios das Nações Unidas na capital e saquearam os locais. Prédios de algumas embaixadas, como do Reino Unido e da Itália, que integram a coalizão da Otan, também foram alvos de ataques. Não há registros de feridos.

"A Convenção de Viena exige que Kadafi proteja as missões diplomáticas em Trípoli. Ao não fazê-lo, o regime deixa de cumprir mais uma vez com suas responsabilidades e obrigações internacionais", sustentou, em comunicado, o chanceler do Reino Unido, William Hague. O ministro deu ao embaixador líbio 24 horas para deixar o território britânico após o ataque à sua embaixada.

- Dá para ver fumaça saindo do prédio da embaixada (da Itália) - contou a Reuters, por telefone, uma testemunha do ataque.

O incêndio da embaixada foi condenado pelo governo da Itália, último país a se unir à operação militar na Líbia comandada pela Otan. "Os ataques contra a nossa embaixada não vão enfraquecer a determinação italiana, e a de outros membros da coalizão, de continuar a proteger os interesses da população civil da Líbia", informou um comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Itália.

Rússia condena ação da Otan

A Rússia voltou a condenar as ações da Otan na Líbia e acusou a coalizão de usar "força desproporcional" em áreas civis - numa referência direta ao bombardeio a um bairro residencial que resultou na morte dos parentes de Kadafi. O próprio ditador estava na casa do filho Saif al-Arab no momento do ataque, mas escapou ileso.

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia questionou os objetivos da missão da Otan. Em comunicado, acusou a coalizão de extrapolar o mandato de uma resolução da ONU que permitiu à Otan invadir o país para "proteger civis". "O ataque", sustenta o comunicado, "levanta sérias dúvidas sobre as declarações dos membros da coalizão de que não tinham como objetivo aniquilar Kadafi e membros da sua família".

A Otan retomou ontem suas operações militares na Líbia. Segundo um porta-voz dos rebeldes, a coalizão bombardeou forças governistas na cidade de Zintan, a sudoeste da capital. As batalhas entre as forças do ditador e os rebeldes também continuaram em Misrata, terceira maior cidade do país e bastião da revolta.

Um dia depois de o governo líbio ter anunciado a morte do caçula de Kadafi e de três de seus netos no ataque da Otan, a televisão estatal líbia mostrou imagens de cinco corpos cobertos - dois de adultos e três de crianças - que seriam do filho, dos netos e de mais uma pessoa não identificada. As imagens, que não revelam os rostos dos mortos, são, até agora, a principal prova apresentada pelo governo. A televisão anunciou também o funeral, hoje, dos parentes do ditador.

O arcebispo de Trípoli, que aparece nas imagens da televisão líbia rezando com outros religiosos junto aos corpos, confirmou a morte de Saif al-Arab.

- Sim, o filho de Kadafi está morto - afirmou o bispo Giovanni Innocenzo Martinelli a uma emissora de televisão italiana.

O bispo, no entanto, não pode confirmar a morte dos netos do ditador.

- Se eram seus netos, não sei; mas, com certeza, eram crianças - afirmou Martinelli. - Haiva também um outro adulto, mas não sei quem era.

Segundo a televisão, Kadafi perdeu três netos: Saif, de 2 anos, filho do primogênito do ditador, Mohamed; Cartago, de 3 anos, do quarto filho de Kadafi, Hanibal; e Mastura, de 4 meses, da única filha do líder líbio, Aisha. Embora Martinelli não tenha podido confirmar suas identidades, garantiu que se tratavam de civis.

Em comunicado, a Otan assegurou que todos os seus alvos "são de natureza militar" e que não incluem "pessoas em particular". Sobre os ataques da madrugada de sábado, a nota informa que "a Otan lançou ataques de precisão contra instalações militares do regime em Trípoli, entre elas um edifício de comando no bairro de Bab al Aziziyah", sem especificar se esse prédio seria a residência do sexto filho do ditador, como afirma o regime.

"Estou ciente das informações não confirmadas de que alguns parentes de Kadafi teriam morrido. Lamentamos qualquer morte", sustenta nota do general Charles Brochard.