Título: Faltam 12 mil creches no país, diz pesquisa
Autor: Falcão, Jaqueline
Fonte: O Globo, 22/04/2011, O País, p. 9

Número é o dobro do que Dilma prometeu construir em quatro anos; mães são obrigadas a improvisar soluções

SÃO PAULO. No Brasil, 10 milhões de crianças de 0 a 3 anos não têm acesso a creches. E, para que sejam todas atendidas, será preciso construir 12 mil novas unidades, segundo estudo divulgado semana passada pela Fundação Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos). Este número representa o dobro do que o governo federal prometeu criar: 6 mil creches em quatro anos, até o fim do mandato da presidente Dilma Rousseff.

Balanço do Ministério da Educação aponta que o governo federal firmou, desde 2007, convênios com 2.151 municípios para a construção de 2.348 novas creches, uma quantidade bem abaixo da necessária. O déficit de creches dificulta a vida de milhares de famílias brasileiras. À espera por uma vaga, crianças ficam sob cuidados de parentes desempregados, irmãos mais velhos ou em lares de vizinhas que, numa rede de solidariedade, cuidam de crianças em espaços apertados.

No Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo, uma das regiões de maior demanda por vagas em creches na capital paulista, o adolescente Francisco Erle, de 11 anos, cuida do sobrinho, Eduardo, de 2 anos. Ele dá banho e almoço ao garoto para a mãe poder trabalhar. Quando Francisco vai para a escola, de manhã, quem reveza com ele na tarefa de cuidar do sobrinho é a irmã, de 9 anos.

A duas quadras da casa de Francisco, nos fundos de uma loja de produtos de limpeza, uma mulher de 52 anos toma conta de cinco crianças que não conseguiram vagas em creche. O anúncio pintado no muro da residência avisa: "Olha-se (sic) crianças". O preço para "olhar" uma criança varia de R$150 a R$200 por mês.

As mães ainda têm que levar a comida e o leite para seus bebês. O problema é que a maioria das mães recebe salário de R$600. Pagar para alguém cuidar do filho significa apertar o orçamento doméstico.

Em São Paulo, Promotoria aciona Kassab na Justiça

O número de crianças fora da creche consta do relatório "Um Brasil para as Crianças e os Adolescentes", divulgado semana passada pela Fundação Abrinq. Quando os pais decidem matricular um filho na creche, é obrigação das prefeituras garantir a vaga. Em São Paulo, a falta de 100.401 vagas chegou à Justiça. Em março, a Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e Juventude de São Paulo entrou com uma ação civil pública contra o prefeito Gilberto Kassab.

A promotoria pediu que o prefeito seja responsabilizado pelo déficit de creches na cidade, com base na Lei de Improbidade. Kassab, de acordo com o MP, teria descumprido "os princípios da legalidade, da eficiência e da transparência fiscal", ao deixar de fazer os investimentos previstos para que a rede municipal de ensino atenda à população infantil que necessita deste serviço. Procurada pelo GLOBO, a Prefeitura de São Paulo não quis falar sobre a ação.

O estudante Rafael Lopes, de 16 anos, falta às aulas pelo menos uma vez por semana para tomar conta da sobrinha Micaela, de 1 ano e meio.

- Toda semana, eu vou para o Hospital das Clínicas acompanhar minha filha, gestante de alto risco, quando ela vai ao médico. E não tem quem possa cuidar da menina - relata a avó de Micaela, Maria do Socorro Lopes Carvalho, de 50 anos.

Aos 52 anos, Dejanira Fátima da Silva cuida de crianças de vizinhos há 10 anos. Chegou a ter em sua casa cinco crianças de uma só vez. Hoje, toma conta do neto de 10 meses. E, em breve, vai cuidar de uma menina de 2 anos, enquanto a mãe da criança trabalha.

- Estou envelhecendo e preciso ir a médicos e fazer exames. Mas não consigo e acabo perdendo as consultas agendadas - diz Dejanira.

Leonardo Antonio da Silva, de 27 anos, cuida sobrinha Emilly, de 2 anos, mas acaba de ser aprovado num concurso público e vai começar a trabalhar nas próximas semanas.

- Não sei o que vamos fazer. Torcemos para que saia uma vaga numa creche aqui do bairro - diz o tio.

Grávida de sete meses, Deise Bosco Nunes, de 20 anos, está desempregada desde o nascimento do filho João Pedro, de 2 anos.

- Até hoje não saiu uma vaga na creche aqui da vila. Meu marido tem que faltar ao serviço para eu fazer a consulta mensal do pré-natal. É difícil a situação, preciso trabalhar para ajudar com as despesas - diz Deise.

Governo financia a construção de novas creches

As prefeituras podem construir creches usando recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do governo federal. As verbas para as obras saem do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), inserido no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2).

Depois que a verba é liberada, as prefeituras têm 18 meses para concluir as obras. Segundo o MEC, a previsão é repassar recursos para a construção de, pelo menos, 1.500 creches e escolas para alunos até cinco anos, em 2011. Em cinco anos, a Prefeitura de São Paulo conseguiu aumentar em 70 mil o número de vagas em creches, e agora promete zerar a fila de espera. Em 2005, havia 60 mil crianças matriculadas. Em 2010, o número subiu para 130 mil. Em nota, a Secretaria de Educação informou que, em 2011, o número de matrículas em creches já cresceu para mais de 190 mil.