Título: Ação legítima contra Muamar Kadafi
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Fonte: O Globo, 19/03/2011, Opinião, p. 6

O Conselho de Segurança da ONU aprovou a criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia quando era iminente o ataque das forças do ditador Muamar Kadafi à segunda maior cidade do país, Benghazi, sede do movimento rebelde que há pouco mais de um mês luta para derrubar uma ditadura de mais de 40 anos. Ressalte-se que, numa decisão histórica e que reflete a mudança política em curso no mundo árabe, a Liga Árabe já dera respaldo à medida.

A comunidade internacional cumpre assim o desejável papel de atuar unida em crises como essa, sobretudo para evitar massacre de civis. Kadafi já declarara que suas forças não teriam piedade ao entrar em Benghazi, uma cidade de 700 mil habitantes. Nesses casos, é inevitável que os insurgentes se misturem à população, que se torna alvo de bombardeios e combates. Proteger civis é a principal premissa da resolução do Conselho de Segurança. Por isso, o documento autorizou o uso da força e de "todos os meios necessários" para evitar ataques à população, excluindo apenas a ocupação terrestre da Líbia. Apesar disso, as forças de Kadafi continuaram ontem a bombardear, com artilharia e aviação, áreas em poder dos rebeldes no Leste do país, embora o regime tivesse declarado um duvidoso cessar-fogo unilateral.

Falando na Casa Branca, horas antes de embarcar para o Brasil, o presidente Barack Obama afirmou que os termos da resolução do Conselho "são inegociáveis" e exigiu que Kadafi pare a ofensiva sobre Benghazi e retire suas tropas das cidades recentemente capturadas aos rebeldes, além de restabelecer o fornecimento de água, eletricidade e gás às suas populações. Obama fez questão de destacar a atuação dos EUA e seus aliados em conjunto com a comunidade internacional.

Ele soterra a prática do ataque preventivo adotada nos dois governos de George W. Bush, cujo pior exemplo foi o Iraque. Apesar das reiteradas advertências de especialistas da ONU de que não havia armas de destruição em massa naquele país, Washington optou por atacar unilateralmente, com o apoio somente da Grã-Bretanha. A ação, portanto, careceu de legitimidade, erro em que Obama não quer incorrer. Já na invasão do Iraque em 1991, a Guerra do Golfo, no governo de Bush pai, os EUA atuaram com o apoio do Conselho de Segurança e de vários países árabes, uma vez que o objetivo era legítimo: livrar o Kuwait da ocupação iraquiana.

A resolução sobre a Líbia foi aprovada por dez votos e cinco abstenções, de China, Rússia, Índia, Alemanha e Brasil. Os votos de Rússia e China se explicam pelos contenciosos geopolíticos desses países com os Estados Unidos. Já o voto brasileiro é incoerente com o apoio do país à decisão do Conselho de Segurança de enviar o problema líbio ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, e, ali, de votar pela expulsão da Líbia - decisão inédita do organismo contra um de seus membros.

A abstenção do Brasil parece um rescaldo da política externa "compañera" intensamente praticada nos últimos oito anos, quando os interesses do país ficaram muitas vezes a reboque das preferências ideológicas de frações do PT. Ou é uma forma de o Palácio evitar dissabores com petistas ilustres, provavelmente já desgostosos com o relativo distanciamento do Irã, aplicado por Brasília sob nova direção. Mas, no momento, importa é deter Kadafi.