Título: Especialistas lamentam saída de secretário
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 22/01/2011, O País, p. 4

Para eles, fim da prisão de pequenos traficantes deveria ser discutido

A saída de Pedro Abramovay do cargo de secretário Nacional de Política sobre Drogas foi vista com pesar por especialistas ouvidos pelo GLOBO. Para Fernando Fragoso, presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, perdeu um auxiliar importante e que fará falta adiante. Abramovay defendia o fim da prisão para traficantes de pequeno porte e sem vínculo com o crime organizado.

- Pedro tomou cartão vermelho, mas a proposta dele é correta. Não há motivo para tratar do mesmo modo a pessoa que compra alguma droga para consumir com o amigo e aquele que faz da droga um negócio. Mandar esse pequeno traficante para a prisão não soluciona o problema, e é preciso entender que descriminalizar não é autorizar, não é dar aval para práticas ilícitas. Propor penas alternativas é tratar o problema sem o uso do sistema penal - disse Fragoso.

Diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas da Uerj, a psicanalista Ivone Ponczek acredita que a medida proposta por Abramovay deveria, pelo menos, se discutida:

- Exatamente por ser um assunto polêmico, ele merece ser discutido. Não defendo qualquer tipo de tráfico. Mas hoje ainda é subjetivo dizer quem é o pequeno e quem é o grande traficante, e seria importante termos essa classificação. A ideia dele era ousada, e talvez tenha chocado pessoas moralistas em relação às drogas. Além de tomar cuidado para não distorcer a proposta, a questão merecia ser discutida.

Pesquisadora da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo, a psicóloga Andréa Costa Dias se surpreendeu com a saída de Abramovay -"mas já?" - e diz que vê com ressalvas o fato de o governo não querer "nem conversar sobre o problemas dos pequenos traficantes":

- Essa proposta podia servir para que a gente conseguisse caracterizar as populações. Não existe só um perfil de pequeno traficante, existe o usuário que se vê obrigado a vender para financiar o próprio consumo, aquele que vende porque tem um negócio e tantos outros. Não há como nivelar todos, imprimindo um tratamento único: a prisão - disse Andréa, que trabalha há mais de uma década com usuários de crack:

- Existe um fenômeno relacionado aos usuários de crack: a cultura do microtráfico. É a pessoa que vende para subsidiar o próprio consumo, que cria uma renda para bancar o vício. Isso é fato, e não temos muitos espaços de reflexão sobre o assunto. Entendo que o governo possa ter achado a proposta do Pedro um assunto espinhoso para o começo de um mandato, mas não acredito que seja um pensamento isolado dele. É uma pena que a questão ainda seja muito vista pela ótica da repressão e não da saúde pública.