Título: A Esperança depois do pesadelo
Autor: Stiglitz, Joseph
Fonte: O Globo, 13/01/2011, Opinião, p. 6

Chegou a hora das resoluções de Ano Novo, um momento de reflexão. Quando o ano velho não foi tão bom, é tempo de esperar que o novo seja melhor.

Para a Europa e os EUA, 2010 foi desapontador. Faz três anos que a bolha estourou e mais de dois que o Lehman Brothers faliu. Em 2009, fomos resgatados da beira da depressão e 2010 era encarado como um ano de transição: à medida que a economia se punha de pé, os gastos em estímulo poderiam ser reduzidos.

O crescimento, pensava-se, poderia reduzir-se ligeiramente em 2011, mas isso seria apenas um pequeno solavanco no caminho para uma robusta recuperação. Poderíamos então olhar para a Grande Recessão como um sonho ruim; a economia de mercado ¿ apoiada por prudente ação governamental ¿ teria demonstrado sua resiliência.

Na verdade, 2010 foi um pesadelo. As crises na Irlanda e na Grécia puseram em questão a viabilidade do euro e levantaram a possibilidade de calote na dívida. Em ambos os lados do Atlântico o desemprego permaneceu teimosamente alto, por volta de 10%. Embora 10% das famílias americanas com hipotecas já tivessem perdido suas casas, o ritmo dos despejos parecia aumentar ¿ não fosse por bagunças legais que levantaram dúvidas sobre o decantado império da lei nos EUA.

Infelizmente, as resoluções de Ano Novo feitas na Europa e nos EUA foram erradas. A resposta às falhas e à dissipação do setor privado, que foram a causa da crise, foi exigir austeridade do setor público! A consequência será quase certamente uma recuperação mais lenta e uma demora maior até que o desemprego baixe a níveis aceitáveis. Haverá também um declínio em competitividade. Enquanto a China manteve sua economia funcionando com investimentos em educação, tecnologia e infraestrutura, a Europa e os EUA cortavam os seus.

Tornou-se moda entre os políticos pregar as virtudes da dor e do sofrimento, sem dúvida porque a maior parte recai sobre os que têm pouca voz ¿ pobres e futuras gerações. Para que a economia volte a funcionar, alguns terão de sofrer, mas a cada vez mais torta distribuição de renda dá uma ideia clara sobre quem deverá ser: aproximadamente um quarto de toda a renda dos EUA pertence ao 1% no topo da pirâmide, enquanto os rendimentos da maioria dos americanos são mais baixos hoje do que há uma dúzia de anos.

A Europa e os EUA têm as mesmas pessoas talentosas, os mesmos recursos e o mesmo capital que tinham antes da recessão. Eles podem ter supervalorizado algum de seus ativos, mas eles ainda estão lá. Os mercados financeiros privados distribuíram indevidamente capital numa escala maciça desde os anos anteriores à crise, e o desperdício resultante da subutilização dos recursos se tornou ainda maior desde que ela começou.

A reestruturação das dívidas ¿ abrir mão de débitos dos donos de imóveis e, em alguns casos, de governos ¿ será crucial. Poderá acontecer. Mas a demora é muito onerosa ¿ e altamente desnecessária.

Os bancos nunca quiseram admitir maus empréstimos, e agora não querem reconhecer as perdas, pelo menos não até que tenham se recapitalizado adequadamente via lucros e do grande spread entre suas elevadas taxas para emprestar dinheiro e os baixíssimos custos para tomada de créditos. O setor financeiro vai pressionar os governos para obter repagamento total, mesmo quando isso levar a um desperdício maciço, alto desemprego e alto custo social ¿ e mesmo quando é consequência de seus próprios erros ao conceder empréstimos.

Mas, como sabemos pela experiência, há vida após a reestruturação da dívida. Ninguém desejaria para país algum o trauma vivido pela Argentina em 1999-2002. Esta nação padeceu também nos anos anteriores à crise ¿ anos de programas do FMI e de austeridade ¿ devido a altos desemprego e pobreza e a crescimento baixo ou negativo.

Desde a reestruturação da dívida e da desvalorização da moeda, a Argentina teve anos de crescimento extraordinariamente rápido, com uma taxa anual média de 9% de 2003 a 2007. Em 2009, a renda nacional era duas vezes maior do que no auge da crise, em 2002, e mais de 75% acima do nível pré-crise. Da mesma forma, a taxa de pobreza da Argentina caiu cerca de 3/4 desde 2002, e o país passou pela crise financeira global muito melhor do que os EUA ¿ o desemprego é alto, mas ainda ao redor de 8%.

Então, esta é minha esperança para o Ano Novo: que paremos de prestar atenção nos chamados magos financeiros que nos jogaram nesta bagunça ¿ e que agora pedem austeridade e adiamento da reestruturação das dívidas ¿ e comecemos a usar um pouco de bom senso. Se há dor para suportar, a maior parte deveria ser sentida pelos responsáveis pela crise e pelos que mais se beneficiaram da bolha que a precedeu.

JOSEPH E. STIGLITZ é economista.