Título: Clima de festa marca votação no sul do Sudão
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Fonte: O Globo, 10/01/2011, O Mundo, p. 21

Milhares esperaram horas na fila em primeiro dia de referendo e celebraram nas ruas possível independência da região

JUBA, Sudão. Sob um sol escaldante, milhares de sudaneses aguardaram horas em filas para poder votar num referendo histórico que, ao que tudo indica, selará a divisão do maior país africano. Mas apesar dos temores de que a independência do sul do Sudão possa reacender conflitos com o norte, o clima ontem na região era de festa, com bandeiras, música e dança pelas ruas de Juba. A votação continua hoje e pelos próximos cinco dias, e o resultado será conhecido uma semana após o fechamento das urnas. Ainda assim, a celebração começou já na noite de sábado, quando muitos sudaneses se apressaram para entrar na fila da votação com o claro objetivo de se separar do norte, com o qual a região travou uma longa guerra civil até 2005.

¿ Voto pela separação ¿ disse Nhial Wier, veterano da guerra civil. ¿ Esse dia marca o fim da minha luta. No Exército, eu lutei por liberdade, pela separação.

Após registrar seu voto, o líder do sul do Sudão, Salva Kiir, pediu paciência às pessoas que aguardavam sua vez.

¿ Esse é o momento pelo qual o povo do sul do Sudão sempre esperou ¿ disse.

Voto por família morta em guerra civil

O referendo popular faz parte dos acordos de paz entre as duas partes. O sul, rico em petróleo, foi marginalizado desde a época colonial pelo governo de Cartum. Apesar de possuir 70% das reservas de petróleo do Sudão, a região é tida como uma das mais pobres do mundo. Esse sentimento de opressão estava claro nas ruas da capital regional ontem: correspondentes de diversos meios de comunicação não conseguiram achar uma só pessoa que votasse pela permanência da região no Sudão.

¿ Meu voto é pela minha mãe, meu pai, meus irmãos e irmãs mortos na guerra ¿ disse à BBC Abraham Parrying, enquanto esperava na fila.

Em Juba, o ator George Clooney e o senador americano John Kerry se misturavam à multidão que dançava e cantava.

¿ É emocionante ver as pessoas realmente votando pela liberdade delas ¿ disse o ator.

Por sua vez, o Departamento de Estado dos EUA emitiu nota na qual elogiou ¿o início bem-sucedido da votação¿.

Mas apesar do pequeno número de incidentes registrados, nem todos estavam tão otimistas. Laraka Machar, que procura emprego em Juba, explicou que ele tem grandes reservas em relação à liderança do sul, e à possível ascensão de um estilo de política baseado na etnia.

¿ As pessoas do governo dão oportunidades apenas aos amigos, a membros de sua etnia. E a corrupção está na ordem do dia ¿ lamenta, afirmando que ainda assim votaria pela secessão.

No norte, política em lágrimas lamenta divisão

Enquanto isso, no norte, o clima era de tristeza. Sara Nuqdullah, membro do partido de oposição Umma, não conseguia esconder as lágrimas.

¿ Precisamos trabalhar para assegurar que pessoas do norte no sul, sulistas que estão no norte e as tribos da fronteira não sejam prejudicadas.

Caso o resultado do referendo comprove ao menos 60% dos votos pela criação do país, as duas partes terão um trabalho árduo pela frente. Antes que o Sudão possa se dividir em dois de maneira amigável ¿ o sul planeja declarar independência em julho ¿ questões persistentes precisam ser resolvidas. As principais delas são a divisão do petróleo e a demarcação das fronteiras, incluindo o estado petrolífero de Abyei. O presidente do Sudão, Omar al-Bashir, já alertou que uma tentativa do sul de tomar Abyei pode degenerar em guerra.

A nova nação também nasceria com índices econômicos e sociais pouco invejáveis, e a pouca infraestrutura presente, em decadência, evidenciada pela votação. As urnas estão em escolas precárias e prédios do governo sem eletricidade e com tetos de metal enferrujados. Além disso, as cédulas traziam desenhos para o ¿sim¿ e o ¿não¿ (apenas uma mão para independência, e duas mãos entrelaçadas para permanecer no Sudão), uma forma de contemplar a população analfabeta, ou três quartos dos adultos da região.