Título: Pagamento de propina para processo andar
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 12/12/2010, O País, p. 9

Despachantes cobram até R$2 mil para conseguir regularização

BRASÍLIA. Um produtor do Paraná, ouvido pelo GLOBO na condição do anonimato, conta que quem tem mais pressa ou não está em dia com suas obrigações fiscais "molha a mão" de servidores. Ou de despachantes, que cobram até R$2 mil para "comprar" um certificado, conforme relatos de técnicos do Incra. E também há despachantes que aplicam golpes em fazendeiros corruptos. Em Mato Grosso, um produtor pagou o suborno ao despachante, mas o dinheiro não chegou ao bolso do servidor. O proprietário só ficou sabendo do fracasso da negociata porque foi conferir com o funcionário público se o dinheiro tinha chegado até ele.

A Polícia Federal investiga a corrupção de servidores públicos que vendem certificados desde 2006. Em 2008, a operação Dupla Face, deflagrada em Mato Grosso, resultou na prisão de 32 pessoas, entre funcionários do Incra, despachantes, geógrafos, técnicos administrativos e fiscais da Receita Federal. Segundo a PF, neste momento, outras quadrilhas estão sob investigação.

- Uma das medidas para frear a corrupção é proibir terminantemente que despachantes atendam a produtores rurais na sala dos servidores do Incra. Mas não é tranquilo de se pegar (corruptos e corruptores) - diz o diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Richard Torsiano.

Força-tarefa para certificar sete mil fazendas

Em Mato Grosso, o Incra decidiu criar uma força-tarefa com servidores e técnicos contratados para certificar sete mil fazendas. Até agora, 2.974 foram habilitadas para a comercialização. Em Pernambuco, apenas oito fazendas estão certificadas. Em Alagoas, são 13.

- Nesses estados, há muita terra da União ocupada, que não pode ser certificada. Concentramos as operações onde o mercado está mais quente. A grande demanda por certificação só vai diminuir com a informatização do sistema de pedidos, o que deve ocorrer no primeiro semestre do ano que vem - afirma o diretor do Incra.

Torsiano adverte que cerca de 20% do passivo poderia desaparecer, se houvesse mais clareza para o produtor sobre os casos em que é obrigatório o georreferenciamento. A Instrução Normativa 24 do Incra diz que o serviço é obrigatório também para contratar financiamentos em bancos públicos ou privados. Porém, uma nota técnica do Incra, emitida em abril, tornou a regra inválida. A instrução deve ser alterada nesta segunda-feira, de acordo com o Incra.

Atualmente, o Incra tem 77 técnicos aptos a acompanhar os processos de certificação e conferir o georreferenciamento em todo o país. O órgão admite que o número é insuficiente para dar conta da demanda.

A situação tende a piorar a partir de novembro do ano que vem, quando quatro milhões de pequenas propriedades também terão que ser georreferenciadas, antes de operações de compra e venda. Na semana passada, técnicos do Incra emitiram uma exposição de motivos à presidência do órgão, alertando que não há estrutura para delimitar com GPS esse volume de terras. Os técnicos propõem que cada produtor faça o seu próprio georreferenciamento, com subsídio do governo federal.