Título: Chega de mudanças constitucionais
Autor: Alencastro, Luiz Felipe de
Fonte: O Globo, 03/10/2010, O País, p. 4

Os 134 milhões de eleitores que vão às urnas consolidam o período mais longo de estabilidade institucional e econômica que conheceu o país. Se tiverem um parente que esteja perto de 80 anos, poderão conferir as atribulações políticas das últimas décadas. Desde que começou a votar, há mais de 50 anos, esse cidadão só viu três presidentes eleitos pelo voto direto chegarem ao fim de seu mandato e transmitirem o cargo a outro presidente eleito: Dutra, em 1951; JK em 1961; e FH em 2003. No meiotempo, houve a reeleição que permitiu a FH e Lula engatarem um segundo mandato. Agora o tal parente verá, muito provavelmente, Dilma assumir a Presidência, como pensam 74% dos eleitores, segundo a pesquisa Ibope da última quartafeira.

Uma mulher na Presidência, com um mesmo partido no poder por três mandatos seguidos.

O octogenário ouvirá pessoas evocarem a hipótese de Lula voltar em 2014 para engrenar mais dois mandatos. E poderá perguntar: haverá problemas? O horizonte nacional vai de novo ficar escuro ? Dentre as mudanças introduzidas no quadro constitucional nas últimas décadas, nenhuma teve tantas consequências como a reeleição. Uma interpretação otimista verá na reeleição o instrumento que permitiu a FH e Lula instituírem 16 anos de crescimento e distribuição de renda em regime democrático. Uma interpretação pessimista argumentará que a reeleição possibilitará o ¿projeto de poder¿ do PT.

De fato, as acusações de ¿aparelhamento¿, de partido único e da mexicanização do Brasil surgem na perspectiva da eleição de Dilma e de uma hegemonia do PT, abrindo a porta para o retorno de Lula à Presidência em 2014 e para a perenização do ¿lulismo¿.

Paradoxalmente, foram as reformas impulsionadas pelo PSDB em proveito próprio que geraram os instrumentos que favoreceram Lula. A mexeção constitucional é consubstancial ao PSDB, fundado por lideranças peemedebistas que saíram do partido de Ulysses Guimarães quando Quércia levou a melhor nas disputas internas partidárias. Daí nasceu o projeto do referendo parlamentarista que o PSDB inseriu na Constituição graças à aliança com uma minifacção monarquista. Vencendo o presidencialismo no plebiscito de 1993, com Lula liderando as pesquisas para a eleição presidencial de 1994, o PSDB paulista promoveu a mudança que reduziu o mandato do presidente de cinco para quatro anos. Eleito em 1994, FH e seus correligionários alteraram de novo a regra do jogo, votando, em meio às acusações de corr u p ç ã o d e d e p u t a d o s , a emenda que autorizou a reeleição em 1998. Derrotados em 2002 e 2006, os tucanos evocam periodicamente, quando estão em desvantagem eleitoral, o fim do instituto da reeleição. Desse modo, Serra defendeu em abril deste ano o final da reeleição, prometendo submeter o tema ao Congresso caso venha a ser eleito presidente.

Ora, o lulismo corresponde à preeminência eleitoral do PT e ao carisma de Lula, mas também ao fracasso da oposição em assumir o seu papel, com o DEM rolando ladeira abaixo, e o PSDB esquivando o confronto de ideias e projetos. Situação retratada de maneira patética na propaganda de Serra que colocou a foto de Lula do lado do candidato tucano. O fiasco de Serra é ainda ilustrado por seu status de campeão nos índices de rejeição. Assim, conforme as sondagens, Serra registra a maior rejeição entre os candidatos. Subindo de uma média de 25% em julho para uma média de 31% em setembro (Dilma passou de 19% a 22% no mesmo período). O Datafolha (sondagem de 10 de setembro) mostrou também que Serra perde largamente para Dilma no estado de São Paulo, após 14 anos de governo tucano na esfera estadual.

Caso a vitória de Dilma venha a se concretizar, Serra pode prestar um grande serviço ao país e à sua biografia: preparar a transição de lideranças e a renovação da plataforma política do PSDB. Chega de casuísmos constitucionais