Título: O país no banco dos réus
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 01/07/2009, Brasil, p. 9

Estamos em quinto lugar em número de processos entre as nações que integram a Comissão Interamericana da OEA. Em 2006, o Brasil foi condenado no tribunal que julga casos graves que não tiveram solução interna

Irene e a foto do irmão, Damião, morto e torturado em uma clínica

O país que ostenta uma das Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito às garantias individuais figura entre as nações com maior número de denúncias no Sistema de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Na lista dos 25 membros da Comissão Interamericana ligada ao tema, o Brasil está em 5º lugar, com 108 processos atualmente em trâmite. São casos graves de violações, para os quais não houve resolução dentro do país. Quando nem a comissão consegue obrigar o Estado denunciado a reparar o dano, a ação sobe para um tribunal da OEA, chamado de Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já condenou o país em um episódio e hoje analisa mais quatro ¿ sendo um deles um pedido de medida cautelar.

Emblemático por ser a primeira condenação do Brasil, em 2006, no tribunal internacional de direitos humanos, o caso de Damião Ximenes, torturado e morto aos 30 anos, em 1999, numa clínica psiquiátrica no interior do Ceará, também mostra o descaso do Estado no cumprimento das determinações da Corte. ¿A sentença mandava o Brasil acelerar a punição dos culpados pela morte de Damião, mas até hoje os dois processos, tanto na área cível quanto na criminal, estão parados na comarca de Sobral¿, reclama Irene Ximenes, irmã da vítima, que denunciou o caso, por conta própria, via internet, ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

A família de Ximenes, que recebeu uma ação indenizatória de mais de US$ 100 mil do Estado brasileiro, não abre mão da punição dos responsáveis. ¿Isso é o mais importante. Será que nem mesmo uma sentença internacional muda essa situação de impunidade?¿, indaga. Coordenadora da Assessoria Internacional da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Cristina Cambiaghi explica que, muitas vezes, o pacto federativo do país impede uma celeridade maior no cumprimento das determinações da Corte. ¿Temos sensibilizado as unidades da Federação, mas acontece de o Judiciário, quase sempre envolvido no que diz respeito às reparações das vítimas, não se sentir corresponsável em atender o que manda as sentenças¿, afirma Cristina.

Andressa Caldas, diretora jurídica da ONG Justiça Global, ressalta ainda o fato de muitas denúncias chegarem à Comissão, e consequentemente à Corte, por conta da demora do Judiciário. ¿Às vezes, pelo círculo dos magistrados com autoridades locais, especialmente em casos de conflitos agrários¿, ressalta a advogada. Membro do Conselho Nacional de Justiça, Marcelo Nobre destaca um desconhecimento por parte dos juízes do ¿efeito, significado e importância¿ da Corte. Por outro lado, menciona como um entrave também a inoperância dos Executivos estaduais, que costumam dificultar o andamento dos processos quando são partes.

Levando em consideração pedidos de medidas cautelares, geralmente quando há pessoas ameçadas de morte, o número da demanda brasileira na Comissão Interamericana sobe para cerca de 108 para cerca de 170, segundo a Secretaria de Direitos Humanos ¿ média de um caso a cada 35 dias. Parcela significativa das denúncias parte do Rio e diz respeito à violência policial.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos Órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), tem como tarefa promover os direitos humanos nas Américas, recebendo denúncias e procurando, com as nações denunciadas, soluções amistosas. Tem sede em Washington (EUA). Vinte e cinco países já aderiram à CIDH. O Brasil reconheceu a competência da entidade em 1992.

Corte Interamericana de Direitos Humanos Com sede em São José, Costa Rica, a Corte é um tribunal internacional independente, formado por sete membros eleitos em Assembleia-Geral da OEA. Recebe as denúncias que a Comissão Interamericana eventualmente não consegue resolver. O Brasil foi um dos últimos países, dos atuais 22 que integram o tribunal, a reconhecer sua competência, o que ocorreu em 1998.