Título: Ameaça ao bastião da tolerância
Autor:
Fonte: O Globo, 21/09/2010, O Mundo, p. 30

Ultradireita chega ao Parlamento na Suécia, e conservadores ganham 2º mandato inédito

MILHARES DE suecos munidos de cartazes contra o racismo vão às ruas da capital, Estocolmo, protestar contra a ascensão política da extrema-direita nacionalista

O LÍDER do ultranacionalista Democratas da Suécia, Jimmie Aakesson, comemora

O PREMIER Fredrik Reinfeldt: reeleito e sem maioria

ESTOCOLMO

Oresultado das eleições gerais da Suécia ¿ apesar de esperado, corroborando as pesquisas eleitorais ¿ abalou os pilares de tolerância e consolidou uma guinada à direita no maior ícone europeu da social-democracia. Pela primeira vez na História moderna do país, um governo conservador foi reeleito, e o primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt fica no cargo, apesar de ter perdido a maioria no Parlamento. A surpresa maior, no entanto, ficou por conta de um outro fato inédito: num pleito em que o índice de comparecimento às urnas chegou a 82,1%, muitos suecos optaram por dar voz à extrema-direita xenófoba do partido Democratas da Suécia (DS), que pela primeira vez conseguiu 20 das 349 cadeiras do Legislativo, arrebatando 5,7% dos votos válidos. O partido poderá ser o fiel da balança entre governo e oposição.

Milhares de pessoas lotaram ontem as ruas de Estocolmo, em protesto contra o avanço da ultradireita num país que recebe cerca de cem mil imigrantes todos os anos.

¿Caiu o estandarte da tolerância e as forças obscuras acabaram mantendo também como refém a democracia sueca¿, lamentou o jornal ¿Expressen¿, em editorial, defendendo que o premier reeleito costure uma aliança com os verdes.

Sem maioria no Legislativo, o primeiro-ministro pediu calma e prometeu anunciar o novo governo no dia 5. Enquanto isso, analistas apontam a entrada do DS no Parlamento como um terremoto político. Comandado por Jimmie Aakesson, de 31 anos, o partido acusa imigrantes ¿ sobretudo os muçulmanos ¿ de devorarem o desenvolvido sistema de previdência social, além de ameaçarem as bases da cultura sueca.

¿ Toda a Europa está sofrendo problemas pela imigração em massa e as pessoas estão cada vez mais frustradas em vários países. Não criaremos problemas. Assumiremos nossas responsabilidades. Prometo ao povo sueco ¿ assegurou Aakesson, sem esconder a ansiedade por um eventual convite para que seus deputados ocupem um lugar na bancada da situação.

Social-democracia vítima da crise

O Partido Social-Democrata, que governou em 65 dos últimos 78 anos, sofreu sua pior derrota política desde 1920, conquistando apenas 30% do eleitorado. Se no campo político, as eleições trouxeram desafios e mudanças à Suécia, no campo ideológico, os derrotados tentam compreender como a Social-Democracia pode ter falhado, mais uma vez, em seu mais tradicional bastião europeu.

¿ Perdemos. Não fomos capazes de recuperar a confiança ¿ resumiu, incrédula, a líder do Partido Social-Democrata Mona Sahlin, de 53 anos, que desejava ser a primeira mulher a assumir o posto de chefe de Governo em Estocolmo.

Com a economia sueca relativamente bem ¿ com crescimento de 4,5% este ano e o desemprego em 8%, a direita sueca parece ter caminhado para o centro em seu discurso. A conquista do eleitorado é atribuída por analistas pelo fato de o governo conservador ter mexido pouco nos pilares do bem-estar social social-democrata, promovendo reformas moderadas no papel do Estado: a carga fiscal sobre o cidadão baixou de 52% para 46% e os serviços prestados pelo Estado, assim como privatizações ocorreram devagar e com discrição.

Para cientistas políticos, o enfraquecimento da esquerda europeia é reflexo de mudanças tecnológicas ¿ que reduziram a classe industrial tradicional de trabalho e os sindicatos, aumentando a classe média ¿ e, sobretudo, uma nova pauta de assuntos criados pela globalização, como a imigração, alterações climáticas e o envelhecimento da população.

¿ A social-democracia vem emergindo como vítima da crise, quando deveria aparecer como refúgio ou mesmo esperança após os anos de excesso do neoliberalismo ¿ apontou o analista francês Laurent Bouvet.

O novo tabuleiro político de Estocolmo força o premier a enfrentar uma dura negociação com a esquerda para evitar a aliança com os ultranacionalistas e sua dura bandeira anti-imigração. A situação de Fredrik Reinfeldt não é simples. Sua coalizão de centro-direita formada pelos Moderados, Liberais, Democratas Cristãos e o Partido de Centro, obteve 49,3% dos votos, o que representa 172 cadeiras ¿ três menos que a maioria absoluta de 175. Já a coalizão dos três partidos de esquerda conseguiu 157 deputados.

Ao premier reeleito, resta agora tentar uma aliança com o ultranacionalista DS ou trazer o apoio dos 25 deputados da bancada do Partido Verde ¿ que, depois de uma pesada campanha junto aos sociais-democratas e contra o governo Reinfeldt, já descartaram o aceno do primeiro-ministro, mesmo que ele tenha garantido não estar disposto a unir-se ao radicalismo do DS.

¿ Vai ser muito difícil para nós, depois desta campanha, olhar nossos eleitores nos olhos e dizer que vamos cooperar com este governo ¿ disse uma das principais lideranças do Partido Verde, Maria Wetterstrand.