Título: ANJ debate a autorregulamentação do setor
Autor: Damasceno, Natanael; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 21/08/2010, O País, p. 17

Em congresso da associação de jornais, participantes defendem mais discussão sobre proposta de conselho

No segundo e último dia do 8º Congresso Brasileiro de Jornais, a autorregulamentação do setor foi debatida. O jornalista Aluizio Maranhão, editor de opinião do GLOBO, e o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril, Sidnei Basile, defenderam cautela no processo de criação de um conselho de autorregulamentação na estrutura da Associação Nacional de Jornais (ANJ).

O futuro conselho, que será composto por sete membros e julgará casos a ele submetidos, foi anunciado anteontem pela presidente da ANJ, Judith Brito, diretora-superintendente do Grupo Folha. Segundo ela, é uma forma de reiterar o compromisso da entidade com a liberdade de expressão. No discurso de abertura do evento, Judith afirmou que a ANJ vai detalhar nos próximos meses as regras para que o conselho seja designado e comece a atuar antes do fim deste ano.

Para Maranhão, no entanto, a criação de um órgão nos moldes do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), entidade não governamental criada em 1978 que regula a publicidade no Brasil, esconde armadilhas devido à natureza da atividade jornalística:

¿ É muito mais fácil identificar o desvio na publicidade do que no jornalismo. Não é difícil identificar uma reportagem muito malfeita, de má-fé, ou uma reportagem muito bem feita. O demônio se esconde no meio, que corresponde a 90% de todo o material que nós publicamos, cujo teor de subjetividade é muito grande. Então, fico me perguntando qual é o código de ética que irá abranger mais de 140 jornais num país tão disparatado como o nosso.

Menos tribunais de ética e mais cultura de boa-fé

Para Maranhão, a ideia em si é boa, devido ao correto conceito da autorregulamentação, mas vai demandar muito mais debate para ser implementada.

Basile ponderou que, com a decisão da Justiça de acabar com a Lei de Imprensa, se o setor não assegurar ao público que sabe como praticar condutas editoriais aceitáveis, logo colecionará uma série de decisões judiciais contrárias:

¿ A grande questão da Constituição democrática é a construção da boa-fé. Precisamos de menos tribunais de ética e de mais prática de uma cultura de convivência em boa-fé. A cultura de boa-fé parte da presunção de que, se estou fazendo coisas lícitas, não tenho de provar nada a ninguém. A presunção da boa-fé é o que garante a vida em sociedade. Acho que a autorregulamentação tem a ver com isso. É uma cultura que deve ser implementada com a orientação das associações, que já oferecem em seus sites os paradigmas de boas condutas editoriais que seus associados deveriam seguir.

Diante das considerações dos palestrantes, Nelson Sirotsky, vice-presidente da ANJ, disse que a iniciativa tem o objetivo de regular exclusivamente a vida associativa das empresas ligadas à entidade:

¿ O Aluizio tem absoluta razão. Não faria sentido por parte da nossa associação propor um processo de regulação da atividade, mesmo que feito por nós. Não é essa a proposta que está em discussão no ambiente da ANJ. Estamos discutindo o exercício da nossa vida associativa e o cumprimento das nossas responsabilidades enquanto sócios da ANJ.

Segundo Sirotsky, o que está em discussão é um passo adicional à adesão dos associados aos princípios de valores de uma entidade que tem como atividade fundamental, entre outras, a defesa intransigente das liberdades de expressão e de imprensa no seu sentido mais amplo. Ele afirma que a medida ajudaria a manter afastadas as tentativas de controle externo da atividade jornalística.

Sirotsky disse que a questão ainda será discutida amplamente e que a ANJ vai convidar outros atores importantes da sociedade, como a OAB, a ABL, a ABI e representantes do meio acadêmico.

Sociedade costuma reagir a tentativas de controlar mídia

A presidente da ANJ, Judith Brito, negou divisão na entidade. Segundo ela, o tema já vinha sendo discutido internamente há algum tempo, e o debate se intensificou depois da derrubada da Lei de Imprensa pelo STF:

¿ Há opiniões divergentes e diferentes não quanto à importância do conselho, mas sobre o papel dele ou a forma como deve ser operacionalizado. Na última reunião da ANJ, submetemos o assunto a uma votação e conseguimos o consenso. Então a ANJ vai, sim, unida, para essa nova medida.

João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo e da ANJ, concordou com as ponderações dos dois debatedores, mas endossou a posição da associação:

¿ Acho que o painel foi muito bom e mostrou a complexidade desse assunto. A autorregulamentação é um princípio muito bom, mas a atividade jornalística é carregada de subjetividade. Autorregulamentar o jornalismo é mais difícil. Mas o que a ANJ está buscando com esse debate é criar mecanismos para que o código de ética, já expresso em seus estatutos, tenha adesão maior dos seus associados.

João Roberto afirmou que a medida até pode contribuir para inibir iniciativas de controle externo da atividade, mas lembrou que todas as tentativas nesse sentido têm sido rejeitadas pela sociedade:

¿ Quem tem evitado tentativas de regulações externas é a própria sociedade. A sociedade elegeu uma Assembleia Constituinte que escreveu uma série de princípios que deixam muito claro que a atividade de imprensa não deve ter qualquer tipo de controle. Esse foi um desejo da sociedade e da Nação brasileira que está expressado na Constituição de 88. Toda vez que alguém tenta criar uma iniciativa que signifique algum tipo de controle sobre a atividade do jornalismo, a sociedade reage.