Título: Um passo histórico nas células-tronco
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Fonte: O Globo, 06/08/2010, Opinião, p. 6

A decisão da Administração de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA), de liberar a realização do primeiro teste com células-tronco embrionárias em seres humanos, põe as terapias celulares num patamar a partir do qual a medicina genética se cacifa ainda mais para encontrar tratamento adequado para doenças até agora tidas como irreversíveis.

Graças à autorização, a Universidade da Califórnia e a Geron Corporation, empresa privada de pesquisas, poderão dar curso empírico à pioneira experiência de usar células desenvolvidas pelas duas instituições em pacientes com lesão medular que provoca paralisia.

É provável que, até o fim do ano, um novo teste seja liberado pelo órgão americano que regula tais pesquisas desta vez, com pacientes que sofrem de uma rara distrofia da córnea, que provoca uma forma de cegueira juvenil.

Tanto como um passo histórico na medicina, pelo que representa de divisor de águas nas pesquisas e terapias celulares, a resolução do governo americano também significa um avanço na discussão sobre o uso de célulastronco embrionárias. O tom do debate resvalou mais para arrazoados éticos e religiosos do que para argumentos médico-científicos, algo compreensível. No próprio país que agora libera os testes com seres humanos, o governo Bush, por pressões conservadoras e convicções devocionistas, vetou o uso de fundos públicos em pesquisas com embriões.

As experiências, caras e necessariamente lentas, ficaram por conta da iniciativa privada a mesma que agora se capacita a levar à frente os testes autorizados e aqueles por autorizar.

No Brasil, após anos de querelas judiciais devido à oposição de grupos religiosos, o STF deu racionalidade à discussão, autorizando as pesquisas, mas corretamente seguindo o consenso mundial que veta o uso de células-tronco em experiências de clonagem humana. A Lei de Biossegurança, em vigor no país desde 2008, autoriza o emprego, nas investigações científicas, de embriões descartados por clínicas de fertilização, desde que obedecidas regras rigorosas.

Abrem-se, portanto, novos e promissores caminhos para a medicina espera-se que em futuro não muito distante , com a virtual possibilidade de reabilitar pacientes portadores de doenças que flagelam milhões de pessoas em todo o mundo. Fala-se ainda em projeções porque, neste primeiro momento de experiências com embriões em seres humanos, o principal objetivo não é alcançar curas, mas testar a segurança do procedimento. Estima-se que, uma vez estabelecida a garantia do processo, anos de testes ainda serão necessários para que uma terapia possa ser aprovada e usada em grande escala.

Antes de tudo, há que se obedecer incondicionalmente a escrúpulos. O teste agora liberado já havia sido autorizado ano passado, mas exames laboratoriais detectaram sinais que comprometeriam a pureza das células, o que levou o grupo a fazer novas pesquisas. É natural que assim se proceda, pois estão em jogo vidas humanas. Experiências que ajudem o homem a contornar doenças são bem-vindas, desde que, subjacentes a elas, não vinguem interesses que passem ao largo do bem da Humanidade.