Título: Pressão na linha de montagem
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 19/04/2010, Economia, p. 17

Produtividade industrial deve ter maior alta desde 2004, abrindo espaço para reivindicação salarial

Cássia Almeida

Num ano em que o Brasil pode crescer mais de 6%, os sindicatos de trabalhadores da indústria ganharam um argumento forte para negociar aumentos salariais. A produtividade do setor em 2010, que no primeiro bimestre cresceu 15,4%, deve chegar ao fim do ano a 5%, de acordo com especialistas.

Ainda assim, seria o maior aumento desde 2004, quando esse indicador de eficiência da indústria cresceu 6,8%, e o salário médio do trabalhador subiu 7,7%, segundo dados do IBGE. Produtividade maior significa que o custo de produção de cada item que sai da linha de montagem diminuiu, abrindo espaço para aumentos salariais, queda de preços ou ganhos de mercado.

Essa é a expectativa da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, entidade sindical ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Para seu presidente, Carlos Grana, a alta da produtividade, associada a um bom momento da economia, fez engordar em 20% acima da inflação o salário da categoria, nos últimos cinco anos: ¿ Mesmo com a crise no ano passado, nas negociações no segundo semestre (período de recuperação mais forte) conseguimos 3% de aumento real. Quem negociou no primeiro semestre só conseguiu 1%.

O gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, está convencido de que ¿a chave do crescimento é a produtividade¿: ¿ Maior produtividade significa menores custos. Pode remunerar melhor o empregado, pode levar a ganho de mercado, e até o governo ganha por meio da arrecadação. Outro reflexo aparece nos preços menores, aumentando a competitividade.

CUT quer reduzir `boca de jacaré¿

Sílvio Sales, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que houve uma interrupção da trajetória de expansão contínua da produtividade com a crise financeira: ¿ Mas já a partir do último trimestre do ano passado, a produtividade já tinha recuperado o patamar pré-crise. É um movimento saudável, uma vez que aumenta a competitividade do setor e também pode se reverter em ganho salarial.

Só que, apesar da melhora de cenário, ainda há um obstáculo para as conquistas salariais dos trabalhadores: a alta rotatividade. Mesmo com os trabalhadores conseguindo negociar reajustes salariais acima da inflação, a rotatividade, que pode chegar a 30% em alguns setores da indústria, vem emperrando o aumento salarial médio da indústria.

Desde que a jornada de trabalho foi reduzida para 44 horas semanais com a Constituição de 1988, a produtividade da indústria cresceu 84%, lembrou Cássio Calvete, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese): ¿ Enquanto isso, no mesmo período, a média salarial caiu 37%. Os rendimentos vêm crescendo numa lentidão enorme. Outra forma de se repassar a produtividade maior ao trabalhador seria diminuir a jornada.

A jornada de 40 horas semanais (hoje são 44 horas) é uma luta antiga do movimento sindical. O projeto está em análise no Congresso Nacional.

Para o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, o grande desafio deste ano é diminuir a chamada ¿boca de jacaré¿, que existe entre o ganho de produtividade e o dos salários.

¿ Queremos aumentar a participação dos salários na renda nacional.

Aumento de produtividade sem repasse para os salários faz concentrar renda. Estamos vivendo um bom momento econômico para reivindicar os reajustes.

Além da alta rotatividade, outra dificuldade para o trabalhador embolsar os ganhos de produtividade é a limitação na livre negociação, afirma o presidente da CUT. As questões, como as greves, vão parar na Justiça: ¿ As decisões são sempre mandando parar a greve, sob pena de multas altíssimas para o sindicato.

Isso limita os instrumentos de pressão nas negociações.

O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Leonardo Carvalho lembra ainda que o aumento da produtividade levaria a uma pressão menor na capacidade instalada. É que se está produzindo mais com o mesmo número de trabalhadores: ¿ Esse aumento da produtividade aliado ao aquecimento do setor serão mais argumentos para os trabalhadores nas negociações salariais.

Pelas projeções do pesquisador, se a quantidade produzida pela indústria se mantiver nos próximos meses, o setor já tem contratada uma alta de 9% na produção frente a 2009. Isso se não houver qualquer crescimento na produção nos próximos meses. O que não é esperado. As previsões do mercado financeiro apontam para expansão de 9,3% este ano.

¿ Em março, o avanço da produção deve ser ainda maior que em fevereiro ¿ diz Carvalho.