Título: Arrecadação cai R$ 12 bi com partilha no pré-sal
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 28/03/2010, Economia, p. B31

Novo marco do petróleo destina maior parte da produção à União, que não paga impostos. Cidades e estados perdem

BRASÍLIA. Ao contrário do que governadores e prefeitos de todo o país esperam, bem como gestores das áreas sociais, o novo marco regulatório do petróleo poderá representar uma frustração no repasse de recursos para seus cofres. Um levantamento feito pelos economistas José Roberto Afonso e Kleber Castro estima que, com o modelo de partilha da produção, deixaria de ser arrecadado a mais, na forma de impostos e contribuições, entre 2010 e 2040, cerca de 0,34% do PIB ao ano, em média, o equivalente a R$ 12,3 bilhões a preços atuais.

Esse montante não será transferido para os fundos de participação dos estados e dos municípios, e afetaria receitas da educação, saúde, seguridade social e amparo ao trabalhador e BNDES. A razão é que a maioria do óleo do présal pertencerá à União, que não paga impostos e contribuições a si própria. No regime de concessão, porém, o óleo fica com o explorador, que recolhe impostos sobre o lucro da comercialização.

O pré-sal não aumentará impostos compartilhados nem contribuições sociais, mas significará aumento direto da receita própria da União diz Afonso.

União não é contribuinte e pré-sal não vai gerar imposto Afinal, todo esse dinheiro será centralizado nos cofres da União. Em 2031, ano de pico da produção, cerca de 0,63% do PIB por ano o equivalente a R$ 21,5 bilhões a preços médios atuais deixarão de ser repassados aos demais entes da federação. Antes disso, tal impacto será crescente, junto com a produção, começando em 0,02% do PIB em 2013.

A partir de 2031, com a redução na produção, a tendência seria inversa, com o impacto caindo para 0,29% do PIB em 2040. Esse exercício não inclui receitas diretas de petróleo, como royalties, bônus de assinaturas e participações especiais.

No sistema de partilha do jeito em que está a proposta, todos os estados, mas principalmente os mais pobres, vão perder fundo de participação. O PIS/Cofins vindo do petróleo vai decair drasticamente. Isso aqui é uma pancada no Ceará de cara, alertou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que encomendou o estudo.

Para Tasso, o governo deve vir a público mostrar os estudos profundos que devem ter feito diante de uma mudança tão importante.

O Imposto de Renda (IR) é uma das duas fontes de recursos dos Fundos de Participações dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). A receita menor de impostos vai ter reflexos em outras áreas, como saúde e educação.

Hoje, 18% da arrecadação de IR vão para a educação, bem como 25% do que vão para o FPE e o FPM. A lei manda ainda que 12% do FPE e 15% do FPM sejam aplicados em saúde. Como a União não fatura, não pagará Cofins nem Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Este será um dos questionamentos ao regime de partilha que o Planalto enfrentará no Senado. O alerta também foi feito semana passada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ): No regime de concessão, as empresas, após pagarem o bônus de assinatura, a participação especial, os royalties e o lucro operacional, o lucro fiscal que elas têm é sujeito ao Imposto de Renda.

Dessa forma, cresce entre os senadores o temor de que, se houver aumento da receita de FPE e FPM em razão das emendas que tramitam no Congresso, haverá queda do outro lado.

Para José Roberto Afonso, o tema passou despercebido até agora.

De acordo com um técnico da Receita Federal, a tributação sobre os campos do pré-sal não chegou a ser objeto de estudo no órgão. Mas tributaristas já alertam para o problema.

A venda de petróleo pelo governo não tem incidência de Imposto de Renda e já há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal neste sentido.

A União não é contribuinte, e o petróleo do pré-sal não vai gerar nenhum imposto diz o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal.

O problema se torna mais agudo diante da constatação de que, apesar do aumento do consumo e dos preços do óleo nos últimos anos, a carga tributária desse setor vem caindo, de acordo com outro estudo de José Roberto Afonso.

O levantamento constata que o setor era responsável por 1,68% do PIB no primeiro semestre de 2003. Mas, no segundo semestre de 2009, sua participação caiu para 1,05% do PIB. Isso representou uma perda de arrecadação de R$ 10,3 bilhões desde 2004. Ao mesmo tempo, a carga tributária dos demais setores da economia passou de 12,85% para 13,53%.

Desde o segundo semestre de 2001, o setor de petróleo não recolhia tão pouco para a Receita Federal como o fez nos dois semestres de 2009. E, pelo que aparenta, os demais setores estão sendo convocados a compensar essa perda, arrecadando maior volume de tributos diz Afonso.

Sociedade subsidia setor, afirma economista Para o economista, o projeto da partilha da produção esconde medidas e detalhes operacionais na tributação e no Fisco que configuram a constituição de um enorme paraíso fiscal no país.

A sociedade brasileira paga mais impostos para subsidiar o setor de petróleo.

Afonso constatou que, desde 2004, a forma de cobrança da Cofins e do PIS foi alterada sem alarde, o que na prática reduziu o pagamento de impostos pelo setor, particularmente a Petrobras. No caso do PIS/Cofins, os tributos correspondem a R$ 0,26 por litro de gasolina e R$ 0,15 por litro de diesel desde 2004.

A cobrança é feita por um valor fixo, por litro de gasolina vendida. Não é um percentual.

Logo, como a gasolina subiu, o valor continuou o mesmo. Na prática, baixou a alíquota.