Título: Crime na política
Autor:
Fonte: O Globo, 06/03/2010, Opinião, p. 6

Casos escandalosos de corrupção na vida pública, o esquema do mensalão em Brasília e a rede de ONGs manipuladas no Rio de Janeiro no período Rosinha/Anthony Garotinho ajudam a entender a necessidade de uma Justiça bem preparada e de uma legislação adequada para sanear a política brasileira.

Em Brasília, o governador afastado José Roberto Arruda foi preso, e assim continuará por decisão tomada quinta-feira pelo STF, enquanto no Rio de Janeiro a Justiça, no mesmo dia, aceitou denúncia contra o casal Rosinha e Anthony Garotinho, por ele se valer ilegalmente de dinheiro público.

São histórias em diferentes estágios de investigação e tramitação judicial, mas em torno de práticas idênticas e deletérias de ataque ao Erário, com o objetivo de desviar recursos para financiamento de atividades políticas. Há, também, indícios de irrigação de patrimônio privado.

A cobrança de pagamentos ¿por fora¿ a empresas fornecedoras do governo do Distrito Federal feita pelo esquema montado por Arruda ¿ dinheiro que foi parar em meias e bolsas de deputados distritais, numa reedição no DEM brasiliense do mensalão do PT nacional ¿ guarda semelhanças com a malha de ONGs usadas no Rio de Janeiro para transferir recursos do Tesouro fluminense, em 2006, em benefício da pré-campanha do então peemedebista Anthony Garotinho à Presidência da República. Este tipo de engenharia de bombeamento de dinheiro público para mãos privadas costuma valer-se do superfaturamento na compra de bens e serviços de empresas mais tarde convertidas em financiadoras de campanhas políticas. Usa o pagamento a fornecedores para transferir dinheiro do contribuinte para o caixa dois de um político e/ou partido.

Em Brasília, a farra envolveu empresas do setor de informática. Já no Rio, de acordo com a denúncia do Ministério Público aceita pela Justiça, o governo de Rosinha Garotinho fez pagamentos milionários a ONGs posteriormente listadas como doadoras à pré-campanha do marido da governadora à presidência, Anthony Garotinho. Há visíveis e marcantes impressões digitais nessa ciranda financeira.

Os dois escândalos reforçam a argumentação contrária ao financiamento público total de campanhas.

Ora, toda esta tecnologia pode muito bem continuar em uso para abastecer caixas dois, levando o contribuinte a pagar duplamente.

Como acaba de demonstrar o TSE, ao conter as doações ocultas, uma excrescência, o caminho é o do aperfeiçoamento de leis e modernização, também administrativa, da Justiça. Mas é crucial que o eleitor, diante deste copioso noticiário sobre deslizes éticos, reflita sobre a importância do seu voto.