Título: Finanças às claras
Autor:
Fonte: O Globo, 24/02/2010, Opinião, p. 6

A cassação do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), e de sua vice, Alda Marco Antônio (PMDB), por um juiz eleitoral de primeira instância, foi suspensa na segunda-feira, e os dois poderão esperar nos cargos o julgamento do recurso em segunda instância. Em função da importância de São Paulo e da aliança de Kassab com o governador tucano José Serra, por enquanto o mais provável pré-candidato a presidente da República pela oposição, o assunto continuará reverberando.

E também porque envolve financiamento de campanha, tema sensível na política, e não apenas no Brasil.

O juiz Aloísio Silveira, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, considerou ilegais contribuições à campanha de Kassab feitas, entre outras, por empresas com participações em concessionárias de serviços públicos.

Na sentença, é citada a Serveng Civilisan, do grupo CCR, dona de concessões de rodovias no Estado de São Paulo. No entender do juiz, não apenas a CCR não pode fazer doações a políticos ¿ o que é indiscutível ¿ como também associadas.

Foi o que aconteceu. Alega a defesa que o veredicto se fundamentou numa interpretação particular do juiz, e não no que determina a lei, em que não há referência a subsidiárias ou a sócios de concessionárias.

O juiz estabeleceu, ainda, sem base em qualquer legislação, o limite de 20% do total para doações vedadas. Ora, não pode haver cotas para a ilegalidade. O fato é que o tema do financiamento de campanha volta ao noticiário em ano de importantes eleições, e pouco antes de o Tribunal Superior Eleitoral decidir sobre regras para as urnas de 2010. Entre elas, uma referente a doações sigilosas ¿ dinheiro que empresas repassam formalmente aos partidos e estes distribuem secretamente a candidatos. Dispositivo deplorável, mantido em legislação aprovada no Congresso, a qual a Justiça pretende regular.

Há uma evidente relação de interesse entre financiador e político financiado. Quando mais não seja, por afinidades ideológicas e simpatias políticas.

Também é compreensível que empresários dependentes de verbas públicas procurem se aproximar de quem amanhã poderá ter nas mãos a caneta de liberação de recursos.

Não foi apenas Kassab quem recebeu dinheiro de acionista de empresa concessionária. Lula e candidatos do PT também já foram beneficiados dessa forma. O importante é que todas essas relações financeiras na política, sem exceção, tenham absoluta transparência. Daí o caso do prefeito de São Paulo não servir de justificativa para a defesa do financiamento público total de campanha, em que não há qualquer garantia do fim do caixa dois.