Título: OMS sob suapeita
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Fonte: O Globo, 13/01/2010, Ciencia, p. 27

Organização convoca painel para investigar acusação de favorecimento de laboratórios

UMA LINHA DE produção da vacina contra o vírus H1N1 num laboratório francês: decisão da OMS estimulou vendas

Acusações de que a Organização Mundial de Saúde teria sido ¿alarmista¿ e buscado ¿favorecer laboratórios farmacêuticos¿ correm de boca em boca desde que a OMS declarou, em junho do ano passado, que a situação da gripe A (H1N1) era de pandemia. Mas foi a decisão, anunciada na sexta-feira passada pelo Conselho da Europa, da UE ¿ de debater, a partir do mês que vem, se a resposta da OMS à crise humanitária estaria sendo adequada ¿ que provocou a reação da organização. Ontem, a OMS anunciou que um grupo de especialistas independentes analisará sua atuação na epidemia.

As suspeitas são focadas em dois fatos: a gravidade da doença ¿ uma vez que a mortalidade não se revelou maior do que em anos anteriores, algo que seria necessário para declarar uma pandemia ¿ e a compra maciça de vacinas e remédios contra a gripe A feita por vários países depois de decretada a epidemia. A principal acusação que pesa sobre a OMS é a de exagerar nos riscos da doença para aumentar a venda dos produtos farmacêuticos.

O presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Wolfgang Wodgard, lançou a iniciativa para que se investigue o possível papel dos laboratórios farmacêuticos na questão. Wodgard, que é médico epidemiologista, afirmou que ¿a OMS, em cooperação com algumas das grandes companhias farmacêuticas e seus cientistas, redefiniram o nível pandêmico. Esses novos padrões obrigaram os políticos da maioria dos países a reagirem imediatamente e firmarem acordos comerciais para adquirir vacinas contra a nova gripe e gastar milhões de dólares para responder ao alarmante cenário que (os laboratórios), os meios de comunicação e a OMS estavam propagando¿.

Diante da decisão do Conselho da Europa de investigar o exposto por Wodgard, a porta-voz da OMS, Fadela Chaib, disse ontem que ¿dá as boas-vindas às críticas e à oportunidade de discutí-las¿ e anunciou uma investigação a ser feita pela própria OMS, embora não tenha detalhado quando começará: ¿No futuro, realizaremos uma avaliação do nosso trabalho com especialistas externos para analisar o gerenciamento e a resposta ao vírus H1N1¿.

Chaib assegurou ainda que a sua organização está ¿aberta às recomendações¿ que possam melhorar seu trabalho e prometeu que as conclusões da investigação interna serão públicas.

As acusações, que não são novas, se concentram na suposta redefinição dos critérios para se declarar uma pandemia, feita em maio do ano passado.

Critérios foram alterados em 2009

De acordo com os protocolos estabelecidos quando teve início o monitoramento da ameaça anterior, a da gripe aviária, uma pandemia é declarada diante da existência de um vírus que se propaga facilmente entre pessoas de duas ou mais áreas geográficas do mundo ¿ uma divisão da OMS que, de maneira geral, corresponde aos continentes. A polêmica veio em seguida: bastaria que a doença fosse facilmente transmissível ou ela precisaria também ser grave?

Alemanha, França, Itália, entre outros países da Europa, anunciaram na semana passada que pretendiam devolver aos laboratórios farmacêuticos boa parte das doses de vacinas contra H1N1 compradas excessivamente no auge da preocupação mundial com a pandemia. A França já conseguiu cancelar 50 milhões das 94 milhões de doses encomendadas. A Alemanha pretende cancelar a encomenda de metade das 50 milhões de doses da vacina. A Itália também luta para cancelar encomendas. Outros países estão negociando a venda para o Irã, o Kosovo, a Ucrânia e a Turquia, mais afetados.