Título: Ameaça à expansão
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 31/05/2009, Economia, p. 21

Forte recuo na produção doméstica de máquinas e equipamentos após a crise desacelera a ampliação do parque industrial brasileiro e impede a economia de voltar a crescer em um ritmo de 5% ao ano

A paralisação dos investimentos do setor produtivo, resultado direto do brutal desaquecimento no mercado consumidor interno e externo, vai limitar a recuperação econômica brasileira pelos próximos dois anos.

Em 2008, o que puxou o crescimento foi principalmente a aplicação de recursos pelas empresas no aumento da capacidade produtiva. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) subiu 5,1%, a formação de capital fixo aumentou num ritmo mais do que duas vezes e meia superior (13,8%). No último trimestre, já houve uma queda de 9,8% no volume investido e as estimativas para os três primeiros meses de 2009 são de uma retração superior a 15%.

¿Sem esses investimentos, a capacidade de reação da economia diminui muito. Com o parque industrial de hoje, podemos no máximo sair do buraco e retomar a produção nos níveis anteriores à crise. Mas, depois de zeradas as perdas, vamos crescer num ritmo bem menor do que os 6% de aceleração que experimentamos até setembro do ano passado. Além disso, a retomada vai ser muito mais prolongada no tempo¿, avalia o economista Rogério César de Souza, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Segundo ele, ainda que os mercados consumidores doméstico e exterior reajam nos próximos meses, as decisões de investimento demoram anos para amadurecer.

Isso significa que o Brasil deve ficar limitado a crescer a uma taxa de no máximo 3,5% em 2010 e 2011. Mesmo com o baque nos últimos meses de 2008, a taxa de investimentos chegou a 19% do PIB no ano, um recorde absoluto no país. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemorou esses números. De acordo com ele, o crescimento puxado pela formação de capital é mais saudável, porque prepara o parque produtivo para o aquecimento futuro do consumo. Isso evita o surgimento da inflação de demanda.

Agora, a realidade é justamente a oposta. Um dos segmentos que mais vão empurrar para baixo o resultado do PIB neste ano será o de bens de capital (maquinário para o aumento da produção).

Atrasos A produção industrial vem caindo desde novembro de 2008 e a de bens de capital, desde dezembro (veja gráfico). Neste ano, a indústria apresentou quedas de 17,5% em janeiro, de 16,8% em fevereiro e de 10% em março. No mesmo período, o segmento de capital encolheu 14,5%, 24,4% e 23%, respectivamente. ¿A área de bens de capital é uma espécie de espelho dos investimentos. Os projetos estão sendo adiados em diferentes setores da economia, com implicações perigosas para as perspectivas produtivas¿, diz Souza. Segundo ele, a fabricação de máquinas e equipamentos, aliada ao setor automotivo, foi responsável por 40% da expansão econômica nacional até setembro.

De janeiro a março, a única categoria de bens de capital que aumentou a produção foi a de equipamentos para as indústrias de transportes, que fabrica veículos automotores, aeronaves e embarcações. Todas as outras seis áreas tiveram um resultado bastante negativo: equipamentos industriais (-30,2%), agrícolas (-32,6%), peças agrícolas (-37,7%), construção (-71,3%), energia elétrica (-31,4%) e uso misto (-27,6%). No acumulado em 12 meses, os espetaculares resultados obtidos em meados de 2008 ainda salvam quatro segmentos, que estão no azul. Os outros três ficaram no vermelho (veja tabela). No cômputo geral, o volume produzido desses equipamentos está subindo 4,9% no período.

O Iedi projeta uma contração industrial superior a 2% neste ano e um tombo de dois dígitos no segmento de bens de capital, mas ainda não ousa estimar o recuo do PIB ¿ analistas apostam numa contração de 0,53%. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as empresas estão ocupando 78,7% da capacidade produtiva hoje instalada. Para Souza, entretanto, não é necessário que elas se aproximem do esgotamento para voltar a investir. Basta que os empresários percebam a perspectiva de forte retomada do consumo. ¿Já há sinais de recuperação do nível de atividade, mas ainda muito fracos. A taxa de investimentos caminhava para 21% do PIB neste ano, mas não deve passar de 15%¿, diz.

Investimento Segundo os números da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a taxa de investimentos no Brasil foi, em média, de 16,9% do PIB entre 2000 e 2008. Na América Latina, por exemplo, é de 18,7% no mesmo período. No mundo, de 23,9%. Na Rússia, Índia e China, os outros membros do ¿Bric¿ (grupo das principais nações emergentes), o número é de 34%. A comparação com a China sozinha (40%) ou com a Coreia do Sul (45%) chega a ser descabida. ¿Investir é apostar no futuro, coisa que nós não fazemos. O país está como aquele trabalhador que não poupa nada e vive da mão para a boca¿, diz o vice-presidente da Abimaq, José Velloso.

Na visão do empresário, o governo precisa desonerar totalmente os investimentos. Segundo Velloso, o segmento de máquinas e equipamentos está submetido a uma carga tributária de 36%, representada principalmente pelas contribuições sociais PIS e Cofins, além do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Apesar dos avanços dos últimos anos, ele reclama que os prazos de recuperação dos créditos tributários ainda são muito longos: 24 meses no IPI e 48 meses no ICMS. Além do mais, o preço final dos produtos ainda embute os tributos incidentes nas matérias-primas, componentes, partes e peças.

¿O Brasil é o único país do mundo que ainda taxa o investimento. O certo é desonerar o início da atividade e cobrar o imposto sobre o resultado da produção¿, reclama. Velloso também se queixa das dificuldades com as linhas de crédito para capital de giro, que ficaram mais escassas e caras. Em média, a necessidade desse dinheiro para o setor de bens de capital é de 35% do faturamento, afirma o empresário. ¿O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) provê os recursos para a compra da máquina, mas falta dinheiro para a produção da máquina.¿

Outro sinal de que os investimentos continuarão em baixa é a queda na importação de bens de capitais. No ano passado, os desembarques chegaram a crescer 65,5% em julho, caindo para -21,2% em fevereiro, se recuperando um pouco em março (12,7%) e voltando a cair em abril (-5,7%). Nos primeiros quatro meses do ano, o país comprou US$ 9,432 bilhões nesse tipo de produto, numa contração de 7,53% em relação aos US$ 10,200 bilhões de igual período de 2008.