Título: Desnutrição: não é hora de foguetes, dizem especialistas
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 05/07/2008, O País, p. 12

Comemoração de ministro pela queda de índice é criticada.

BRASÍLIA. Especialistas em políticas de combate à pobreza disseram ontem que a queda de 46% da desnutrição infantil crônica em dez anos deve ser comemorada, mas alertaram para a persistência de problemas ligados à falta de investimentos na prevenção de doenças e à fome. A sanitarista Marília Leão, do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), criticou o tom adotado anteontem pelo ministro da Saúde, José Temporão, ao divulgar Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS). Ele afirmou que, diante dos resultados, era preciso "soltar foguetes e sair cantando".

- Não podemos sair soltando rojão, como pediu o ministro. Isso seria aceitar que uma parcela dos brasileiros continue passando fome. Enquanto houver uma pessoa nessas condições, temos que nos preocupar - afirmou.

"Há muito dever de casa para todos"

No capítulo dedicado à segurança alimentar, o estudo ressaltou que 4,7% das mulheres entrevistadas em todo o país disseram ter passado por alguma situação de fome, classificada como insegurança alimentar grave, nos três meses que antecederam a pesquisa. Na Região Norte, o problema atingiu 13,3% dos lares visitados. Para Marília, esses números mostram que ainda há muito a se fazer no combate à pobreza.

- Há muito dever de casa para todos, e especialmente para o Ministério da Saúde, que precisa reforçar a rede de atendimento básico e prevenção às doenças. Hoje, todo recurso novo acaba na rede hospitalar - criticou Marília.

Ex-integrante do Centro Internacional de Pobreza das Nações Unidas, o economista Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), disse que a redução de 43,5% da mortalidade infantil entre 1996 e 2006 deve aproximar a expectativa de vida dos brasileiros dos níveis de países desenvolvidos. Ele atribuiu a melhora no índice à expansão da rede de saneamento e ao aumento da cobertura das consultas de pré-natal.

- A queda foi grande, mas poderia ter sido maior. O índice de mortalidade infantil ainda é muito alto para o nível de renda do Brasil. Se o país fosse menos desigual, a taxa seria menor - disse.

De acordo com Medeiros, que também é pesquisador da Universidade de Cambridge, ainda não é possível medir o efeito das políticas de distribuição de renda sobre a queda da desnutrição crônica, que afeta o sistema imunológico e a capacidade de aprender das crianças. Ele disse que a queda a níveis residuais da desnutrição aguda, que pode provocar a morte, não elimina a necessidade de programas como o Bolsa Família.

Crescimento da obesidade também preocupa

O crescimento da obesidade das mulheres em idade fértil também preocupa Medeiros, que lembrou que o aumento da renda não é sinônimo de melhora nos padrões alimentares. A sanitarista da UnB também destaca a necessidade de incentivar a compra de comida saudável:

- As mulheres pobres estão cada vez mais gordas. Estamos saltando de um cenário de carência alimentar para outro de alimentação adequada.

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