Título: Morro da Providência. Eu creio
Autor: Crivella, Marcelo
Fonte: O Globo, 21/06/2008, Opinião, p. 7

Mais uma vez a crise social que amarguramos nos impõe a perplexidade, a vergonha e a dor. No último fim de semana, havia no Morro da Providência em cada lar uma prece, em cada olhar uma lágrima, em cada coração um voto de pesar e de saudade. É que a fatalidade de um quotidiano de violência, marginalização, injustiça e pobreza estraçalha as consciências. No ambiente de conflito e de revolta que produz, lança, em fúria insana e indomável, irmãos contra irmãos, jovens contra jovens, pobres contra pobres, derramando sangue, destruindo a esperança e tornando a vida de nós todos na mais inútil, deplorável e miserável tragédia.

Meu Deus, pergunto, até quando? Até quando nossos sonhos, que sonhamos na inconformidade, na revolta contra a realidade que nos assola e massacra, até quando se tornarão em tristeza, frustração e pesadelo? Até quando o ódio e o crime irão lançar nossos jovens, uns ensangüentados, na sepultura, outros com armas na mão, no inferno das celas, para serem barbarizados e vegetarem anos a fio numa obscura e triste existência?

Desde que assumi o mandato, duas coisas me preocuparam mais e estão ligadas diretamente a essa violência sem precedentes e crescente, que atormenta nossas vidas: o tráfico de drogas e a deplorável condição de moradia nas comunidades carentes. Com esse objetivo aprovei alterações em duas leis já em vigor. A primeira confere às Forças Armadas poder de polícia nas fronteiras para combater o tráfico de drogas e armas e a segunda criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, na essência, um fundo e um programa para construir casas para famílias de baixa renda.

Mas não parei por aí. Há quatro anos, apresentei o Projeto Cimento Social mostrando como exemplo uma casa na Rocinha e outra no Morro da Providência que reformei com recursos próprios. Transformar essas moradias improvisadas em casas decentes é libertar do sofrimento e dos terríveis estigmas de inferiorização uma vasta multidão vulnerável a todo tipo de doenças e endemias pelas condições em que moram.

Por ocasião da concepção do PAC, encontrei a oportunidade para apresentar ao presidente Lula a idéia do Cimento Social, logo recebida com entusiasmo. Inicialmente se pensou em um convênio com a prefeitura do Rio, que não mostrou interesse. Técnicos do Ministério das Cidades, entre eles um dos mais qualificados, o dr. Ambrosino Serpa, sugeriram realizar a obra com recursos do Ministério das Cidades, repassados por convênio ao Comando do Exército.

Dos morros do Rio, bem como dos bairros formais, milhões de vozes se erguem, clamando pela execução de reformas estruturais básicas, que nos coloquem no caminho da ordem e da paz, que contribuam para a consolidação da justiça social, que promovam o bem-estar de milhões de cariocas, a fim de que possam colaborar na vasta obra de enriquecimento e engrandecimento da nossa cidade.

No momento em que amarguramos a perda irreparável, dolorosa e brutal de três jovens, que só de lembrar nos entristece, mesmo na mais profunda amargura de nossas almas, devemos evitar novos e maiores equívocos ou estaremos abdicando de toda esperança de amparo a outros tantos jovens que aguardam nossa decisão e coragem inquebrantável para o resgate social da nossa terra.

Creio nos ideais, nas mais altas tradições de honra e dignidade do Exército Brasileiro, para interpretar e superar todos os obstáculos na sua patriótica e constitucional vocação de servir aos anseios do povo. Creio na corrente dos homens de bem, para transpormos esse dilúvio de ódios e paixões que marcam as cidades na proporção de suas desigualdades sociais. Creio que juntos podemos rasgar nos horizontes infinitos da esperança a perspectiva iluminada do nosso destino, que não é de cidade da dengue ou dos jovens assassinados, mas de Cidade Maravilhosa, de encantos mil e a mais linda do Brasil. Por isso sonho, luto e sofro e não desisto, porque é nisso que creio.

MARCELO CRIVELLA é senador (PRB-RJ).