Título: Ainda sem decisão no STF
Autor: Brígido, Carolina ; Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 29/05/2008, O Globo, p. 33

Votos dúbios adiam definição sobre liberação das pesquisas com embriões para hoje

Carolina Brígido e Leila Suwwan

Depois de quase onze horas reunidos, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não conseguiram concluir ontem o julgamento que definirá o destino das pesquisas científicas com células-tronco de embriões humanos. A votação foi interrompida quando o placar contabilizava quatro votos totalmente a favor dos experimentos e outros quatro favoráveis à constitucionalidade das pesquisas, mas com restrições. Três ministros defenderam a criação de tantas restrições que, na avaliação de cientistas, inviabilizariam as experiências. Outros três ministros ainda votarão. O resultado do julgamento é aguardado para hoje.

Faltam votar os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Os dois primeiros já deram declarações públicas favoráveis às pesquisas. Portanto, a expectativa é de vitória dos defensores das pesquisas. Ainda assim, a comunidade científica teme que, se prevalecerem as restrições propostas por alguns ministros, a lei que regulamenta o uso de embriões tenha que ser revista no Congresso, o que custaria anos de atraso em pesquisa ao Brasil.

A divisão e a polêmica no Supremo são em relação da Lei de Biossegurança, de 2005, que liberou o uso de material embrionário em pesquisas. O Ministério Público Federal entrou com ação no Supremo questionando a constitucionalidade da lei. O então procurador geral da República, Claudio Fonteles, ligado à Igreja Católica, argumentou que ela viola dois princípios constitucionais: a dignidade humana e o direito à vida.

A polêmica começou a ser analisada pelo plenário do Supremo em março, quando o relator, ministro Carlos Ayres Britto, votou em favor das pesquisas. Sustentou que um embrião concebido em laboratório que não tem perspectivas de ser inserido no útero materno não poderia ser equiparado a um ser humano. A ministra Ellen Gracie Northfleet concordou com a tese.

Na ocasião, a votação foi interrompida por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Direito, também ligado à Igreja. Ontem, ele apresentou seu voto à Corte. Durante três horas, ele condenou o uso de embriões em pesquisas de forma geral. Aceitou apenas o uso do embrião se ele tiver interrompido, por si só, o processo de multiplicação celular. Também disse que o embrião viável para a reprodução poderia ser usado para pesquisa apenas se ele não fosse sacrificado no processo de retirada da célula-tronco. Cientistas dizem que esse procedimento é inviável.

- O embrião é, desde a fecundação, um indivíduo, um representante da espécie humana, com toda carga genética que será a mesma do recém-nascido, da criança, do adolescente, do adulto e do velho. O embrião é vida. Sua destruição é o descarte da diversidade, da sua própria origem - afirmou Direito.

Cientistas protestaram contra restrições

Para a geneticista Mayana Zatz, pró-reitora de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), que acompanhava a sessão de ontem, a solução apresentada por Direito é inócua e, se for abraçada pela maioria dos ministros, acabará engessando os experimentos no setor. A professora e pesquisadora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Patrícia Pranke, que também acompanhava a sessão de ontem, concorda:

- Parece que ele quis dizer ser a favor com algumas restrições, mas isso inviabiliza as pesquisas. A lei é bastante restritiva do ponto de vista ético.

Direito também criticou a falta de fiscalização rígida aos laboratórios que manipulam material genético. Ele defendeu a criação de um comitê central para aprovar projetos de pesquisa e fiscalizar os procedimentos.

Outros três ministros também foram favoráveis a restrições ou modificações na lei: Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cezar Peluso. Os dois primeiros concordaram com os pontos apresentados por Direito. Peluso defendeu apenas a criação de um comitê de ética e pesquisa unificado para autorizar e fiscalizar os experimentos genéticos. Ele concorda com o uso de embriões em pesquisas científicas. Ficaram alinhados com Ayres Britto e Ellen Gracie os ministros Cármen Lúcia Antunes Rocha e Joaquim Barbosa.

- A pesquisa com células-tronco embrionárias não é certeza de conquistas no campo científico. Mas a não pesquisa é certeza de não conquista. Porque sem a pesquisa não há resultados no campo científico. Tentar reprimir a pesquisa científica que pode conduzir à melhoria da vida das pessoas é tarefa inglória e nefasta - sustentou Cármen Lúcia.

www.oglobo.com.br/ciencia