Título: Especialistas: combate à dengue tem que mudar
Autor: Borges, Waleska
Fonte: O Globo, 18/05/2008, Rio, p. 29

Para eles, campanhas têm sido apenas informativas e não educam a população, o que pode levar a novas epidemias

Especialistas em saúde pública afirmam que as políticas governamentais de combate à dengue com a mobilização social estão equivocadas. Para eles, a estratégia de comunicação deve ser modificada para evitar novas epidemias, já que o modelo atual apenas informa e não educa a população. Autoridades dos governos municipal, estadual e federal reconhecem o erro e anunciam mudanças para 2009.

Este ano, as três esferas governamentais distribuíram 10.733 milhões de informativos sobre dengue no Rio. Somados, os gastos do município e do estado com esse material chegam a cerca de R$500 mil.

- A única medida de prevenção eficaz é a educação. Hoje, as ações são informativas e algumas são até equivocadas, como apenas mandar a população encher os pratinhos de planta com areia. O folheto não explica que a fêmea do Aedes aegypti coloca o ovo na parte úmida. Quando esse pratinho for esquecido, o ovo vai eclodir ao entrar em contato com a água - diz o entomologista Anthony Érico Guimarães, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sugerindo que a dengue seja incluída no currículo escolar.

Pesquisa: boa parte não leu folhetos sobre dengue

Apesar de a participação da população ser exigida na prevenção dos focos do mosquito, uma pesquisa realizada na comunidade Parque Oswaldo Cruz, em Manguinhos, entre janeiro de 2003 e março de 2006, e finalizada há cerca de um mês, mostra que o discurso dos informativos não é adequado.

A pesquisadora Márcia Lenzi, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz, visitou 130 casas da região e analisou os folhetos distribuídos durante a epidemia de 2002 e o surto de 2005. Ela constatou que os informativos foram reconhecidos por 51% dos entrevistados, mas que 23% deles não leram o material.

- As mensagens são incompletas e se repetem centradas nos cuidados com os criadouros domiciliares. Muitos sabem que é preciso evitar água parada e o acúmulo de lixo, por exemplo, mas não entendem a razão dessas práticas devido à falta de conhecimento sobre o ciclo do mosquito - observa Márcia Lenzi.

Para o epidemiologista Roberto Medronho, se a estratégia de combate aos focos do mosquito não for modificada, com medidas de educação da população e ações integradas entre especialistas e poder público, o Rio pode ter nova epidemia em 2009.

- Se for reintroduzido aqui o vírus tipo 1 (causador da epidemia de 1986) ou entrar o tipo 4 (que circula em países vizinhos, como a Venezuela), teremos sérios problemas - alerta Medronho.

Para conscientizar a população dos riscos, o secretário estadual de Saúde e Defesa Civil, Sérgio Côrtes, diz que serão adotadas mudanças na estratégia de comunicação ainda este ano. Segundo ele, uma delas será informar a população sobre o Levantamento do Índice Rápido do Aedes (Lira). De acordo com o secretário, serão feitas campanhas para mostrar aos moradores do Rio onde o índice de infestação pelo mosquito está mais alto.

- O estado vai passar de fiscalizador para executor do combate à dengue. Devemos ter sempre em mente que a doença mata. A população também precisa estar mobilizada - afirma Côrtes.

Segundo ele, uma revistinha sobre a dengue, feita por Ziraldo, com um milhão de exemplares, será distribuída nas escolas, em agosto e outubro. Na publicação, já estará a informação de que o ovo do mosquito pode durar até um ano. O secretário diz que as ações de combate ao mosquito serão intensificadas, com a contratação de 3.500 a cinco mil mata-mosquitos em até 60 dias. Em junho, também vai ocorrer uma reunião com pesquisadores e cientistas, para discutir ações de combate à dengue, assistência médica e campanhas de mobilização e educação.

De acordo com o secretário adjunto de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, Fabiano Pimenta, a principal mudança na comunicação já está ocorrendo: a mobilização social deixou de ser em um único dia para se transformar em permanente. Segundo Pimenta, os recursos do Teto Financeiro de Vigilância em Saúde, para prevenção e controle de doenças no estado, em 2009 devem ter aumento de 20% - este ano, o valor foi de R$54 milhões. A União também estará pronta para ceder fumacês e outros veículos ao Rio em caso de epidemia.

"Educar a criança é fundamental", diz secretário

Já o secretário municipal de Saúde, Jacob Kligerman, disse que, além das vistorias, eventos educativos estão sendo organizados. Também será aumentado o quadro de profissionais de saúde do município, com a contratação de 585 médicos este ano. Sobre a educação como forma de prevenção, Kligerman diz que o tema dengue já está presente nas 1.067 escolas do município:

- Educar a criança é fundamental, porque ela se torna o porta-voz de tudo.

O biólogo Emir Mercadante, que faz palestras gratuitas sobre dengue em escolas públicas, lembra que é fundamental passar informações locais.

- Não podemos generalizar as informações. Os cuidados numa área carente são diferentes dos da classe média da Zona Sul - diz Mercadante.